São Paulo, quinta-feira, 03 de junho de 2010

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JANIO DE FREITAS

A cara e a alma


O que se passa no Oriente Médio é obra dos EUA e do direito de veto no Conselho de Segurança da ONU


HÁ MUITO tempo já se poderia ter concluído que o problema do Oriente Médio não persiste por ações ou intransigências de Israel nem dos palestinos, do Hamas nem do Hesbollah, do Irã, do Iraque nem da Síria.
Se há mais de quatro décadas nenhuma das tantas e diferentes tentativas de pacificação da área prosperou, a cada uma, pelo contrário, seguindo-se o aumento da violência e do impasse, é bastante lógico que o fundamento do problema esteja em um fator influente sobre toda a área ou sobre partes decisivas dela.
Tal fator existe. Tem cara e tem alma. Sua cara é o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, uma cara cínica, apta a adotar ares de seriedade e de cumprimento compungido do dever, quando põe em prática os atos mais abjetos. Sua alma é de testa de ferro, de guarda-costas matador, de agente duplo, de traficante.
Tais características do Conselho de Segurança ativam-se a cada vez que um dos seus cinco integrantes permanentes invoca o direito de veto a uma resolução proposta por um dos 15 membros (10 temporários em revezamento, entre eles, atualmente, o Brasil). Foi exigido por Stálin para permitir a adesão da URSS à ONU como pensada, basicamente, por Roosevelt.
E veto veio a ser uma forma de poder absoluto de um país -qualquer dos cinco detentores desse direito- sobre questões cuja importância, para o processo de civilização do mundo, comprovava-se já por serem levadas ao próprio Conselho de Segurança da ONU, órgão maior das Nações Unidas.
O privilégio de poder desfrutado por Estados Unidos, Rússia, Inglaterra, França e China não se orienta por princípios jurídicos, éticos ou morais. O veto pode sufocá-los todos. Sem mais exigência, para isso, do que o seu pronunciamento.
Assim se explica, por exemplo, que a União Soviética um dia decidisse invadir o Afeganistão, sem dar confiança à ONU, e Estados Unidos e Inglaterra ocupassem o Iraque com o mesmo descaso pelas Nações Unidos e por seu Conselho de Segurança. A algum inconveniente, a resposta do veto.
A região chamada de Oriente Médio e a Ásia Menor foram pasto de numerosos acordos de interesse entre União Soviética e Estados Unidos no Conselho de Segurança. Traço comum a todos, quando o Oriente Médio era parte do tema: os Estados Unidos puseram-se sempre como protetores das políticas de Israel para a região. Com o poder de veto como instrumento de uso frequente.
O fim da URSS, reduzida à Rússia atual, liberou o Oriente Médio de muitos dos interesses estratégicos dos soviéticos ali. Nem os acordos continuaram necessários para a plena cobertura americana à política e às ações dos sucessivos governos israelenses.
Dominante, há mais de 40 anos a direita belicista de Israel não precisa pensar em conter suas ambições territoriais e de dominação; nem em possíveis fórmulas de convívios sem beligerância na região, respeito aos acordos internacionais sobre práticas toleradas e crimes de guerra, violações de direitos, respeito a fronteiras e a águas internacionais.
Israel é uma população dividida em relação ao que o país faz, mas é um país de mãos livres para fazer o que quiser. E faz, implícita e explicitamente autorizado pela assegurada cobertura da maior potência mundial.
É um fenômeno histórico tão assombroso, esse vivido por Estados Unidos e Israel, que nem mesmo ao governo americano o israelense se conforma. É definitivo, como ilustração nesse sentido, o que há pouco se passou com o pedido do governo Barack Obama para que Israel suspendesse a instalação de comunidades suas em território palestino.
No dia mesmo da chegada a Israel do vice-presidente americano, John Biden, para conversas corteses sobre o assunto, o primeiro-ministro Benjamin Nataniahu fez o anúncio público da criação de novas colônias. E Biden, Obama e os EUA engoliram seu pedido e digeriram o desacato.
O que se passa no Oriente Médio é obra dos Estados Unidos e do direito de veto na ONU.


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