São Paulo, domingo, 03 de outubro de 2010

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ELIO GASPARI

O final não foi chocho, a campanha é que foi madura


O canibalismo político foi contido; quem duvidar disso que vá ao YouTube para ver Fernando Collor em 1989

AQUILO QUE NA NOITE de quinta-feira pareceu um debate chocho foi uma celebração da maturidade da democracia brasileira. No último ato da campanha presidencial (ou de seu primeiro turno), a empulhação ficou no limite do tolerável, tanto de parte de quem atacava quanto de quem se defendia.
Quem passar no YouTube poderá ver Fernando Collor de Mello em 1989 dizendo que Lula defendia "teses marxistas", a "luta armada" e a "invasão de casas e apartamentos". Quando José Serra disse que o governo entesourou dinheiro que deveria ter ido para o saneamento, pareceu duro, mas foi apenas informativo. O mesmo sucedeu quando Marina Silva lembrou ao tucano que sua espécie guerreou o programa Bolsa Família.
É verdade que o senso de humor de Dilma Rousseff, Serra e Marina Silva cabe numa caixa de fósforos, mas não se pode querer tudo. Sobretudo porque candidato engraçado foi Jânio Quadros e, como ele mesmo disse, "deu no que deu".
O canibalismo que a certa altura prevaleceu nas infantarias tucana e petista ficou fora do debate decisivo. Até certo ponto porque os candidatos consideraram-se saciados com os resultados obtidos. Jogo jogado. Na realidade, todos sabiam que o eleitorado não quer ver sangue, mas normalidade.
Talvez haja até outro fenômeno: os candidatos conformaram-se com uma temática que vem de baixo para acima. Se foi assim, perceberam a exaustão das agendas que vêm de cima, convidando a patuleia a decidir de acordo com dilemas que não são os seus.

A FALTA DE RUTH
Se Ruth Cardoso estivesse viva, a charanga do tucanato não teria tomado o caminho da baixaria que atribuiu a Dilma Rousseff a defesa da legalização do aborto. Ela nunca se associou a esse tipo de tática eleitoral. Vale lembrar que seu marido também nunca jogou esse jogo.

AECIO 2.0
Sinais de fumaça indicam que a partir de amanhã Aécio Neves será um tucano preocupado em mostrar decisão, sem perder a ternura.

IMPUNIDADE
Apanhado com maconha escondida no carro, o ator Dado Dolabella pediu aos policiais que não o levassem para a delegacia, pois isso comprometeria a sua imagem. Felizmente, levaram-no. O que compromete a imagem do meio artístico é o comportamento de profissionais como ele. Depois de ter sido condenado em juízo por ter agredido a ex-namorada Luana Piovani, e de ter sido preso por descumprir a determinação de ficar longe dela, Dolabella julga-se dono de tamanha impunidade que, sendo apanhado em delito, reivindica tratamento diferenciado.

EXPIAÇÃO
O alto comissariado petista sonha com a possibilidade de achar um companheiro ou companheira operando à la Erenice. Não deverá ser difícil. Querem se antecipar a eventuais denúncias, exemplando o malfeitor. Essa seria a melhor maneira de afastar a urucubaca segundo a qual o PT solidariza-se com todos os seus quadros apanhados com a mão na Bolsa da Viúva. Em oito anos de poder não conseguiram um único caso de sucesso, visto que o ex-tesoureiro do partido, Delúbio Soares, ainda é um ilustre personagem nas festas do comissariado.




UM GRANDE REPÓRTER E UM GRANDE ESCÂNDALO

Está chegando à livrarias "O escândalo Daniel Dantas", do repórter Raimundo Rodrigues Pereira. Será uma surpresa para quem acompanhou a vida do banqueiro que nos últimos oito anos foi do céu da grande finança ao inferno da cadeia com a Operação Satiagraha.
Aos 70 anos, com 45 anos de jornalismo e um memorável currículo, Raimundo sustenta, com documentos e investigação, que o empresário foi linchado por interesses políticos e econômicos. Em poucas palavras: "A satanização de Daniel Dantas foi uma conveniência para o governo do PT, substituindo a discussão das privatizações pela demonização de um culpado. Não mexeram no que fizeram os tucanos, não mexeram no comportamento dos fundos de pensão, muito menos na estrutura de interesses privados que surgiu nos anos 90".
Poucos jornalistas têm biografia capaz de ofender com tanta ousadia a sabedoria convencional. Em 1969, quando a tortura começou a se instalar em quartéis brasileiros, Raimundo coordenou a investigação que resultou numa capa histórica da revista "Veja" intitulada "Torturas". Peixe fora d'água na grande imprensa, criou o semanário "Opinião", desentendeu-se com a semente do que viria a ser o tucanato e fundou o "Movimento".
O repórter expõe teatralidades e inconsistências da Operação Satiagraha, com a apresentação de grampos manipulados, diligências espetaculares e tolices em matéria financeira. Ele atravessou 10 mil páginas de documentos, dezenas de entrevistas e 15 horas de conversas com Daniel Dantas. Em alguns casos, narra sua investigação na primeira pessoa.
O leitor de "O Escândalo Daniel Dantas" poderá atravessá-lo sem mudar de opinião sobre Dantas, a privataria, o PT e os companheiros dos fundos de pensão, mas perderá muitas de suas certezas. Sua utilidade está em permitir que não se continue acreditando em espetáculos e narrativas inconsistentes. O pior que pode acontecer quando uma histórias dessas aparece é pretender destruí-la pelo silêncio. Foi isso que fizeram os generais quando Raimundo botou na rua a reportagem sobre as torturas: apertaram o parafuso da censura em cima da revista "Veja".


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