São Paulo, sexta-feira, 03 de dezembro de 2010

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OPINIÃO

Jornais, candidaturas e eleitores em 2010

MARCUS FIGUEIREDO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Este trabalho apresenta os resultados iniciais da cobertura dos três maiores jornais nacionais: a Folha, "O Estado de S. Paulo" e "O Globo".
Nosso objetivo é observar como a mídia impressa cobriu os acontecimentos que envolveram os principais candidatos a presidente.
Na eleição de 2002 nos ocupamos apenas dos candidatos; na de 2006 introduzimos o acompanhamento do Lula-presidente e do Lula-candidato. Neste ano, logo percebemos que o presidente Lula seria um ator relevante, assumindo o papel de patrocinador e principal cabo eleitoral de Dilma Rousseff.
A pesquisa cobriu todos os pré-candidatos testados nas pesquisas e os candidatos.
Mas aqui apresentamos apenas o tratamento que a mídia impressa conferiu ao presidente Lula e aos candidatos José Serra e Dilma Rousseff.
A segunda inovação que introduzimos foi a distinção entre matérias neutras e equilibradas. Nas pesquisas anteriores esses dois comportamentos estavam juntos.
Esta distinção tornou nosso objetivo mais completo. A ideia de matéria equilibrada revela uma ambição acadêmica e metodológica. Os principais trabalhos nesta linha de pesquisa sempre usam os adjetivos positivo, neutro e negativo para as matérias jornalísticas, como indicadores do comportamento da imprensa, definindo-os como bons ou ruins para o objeto da observação. Matérias positivas ou negativas podem ter duas origens: intencionais ou inerentes ao fato reportado ou analisado.
As matérias equilibradas são aquelas que o fato reportado/analisado leva em conta em sua narrativa múltiplas considerações, incluindo as de natureza positiva e negativa. Este é o tipo de matéria digna de um espaço público, onde o reportado ou o analisado contempla o contraditório, que genuinamente informa e não apenas tenta sempre formar a opinião pública.
A orientação da nossa pesquisa sempre foi nesta direção: não qualificamos as matérias tendo por referência a intenção de quem a produz.
Este é um trabalho de outra natureza, que poderá ser feito quanto nossos dados estiverem totalmente disponíveis. O que apresentamos aqui já é o bastante para observarmos as diferenças e semelhanças de comportamento entre os três jornais.

A COBERTURA
De 1º de setembro de 2009 a 31 de outubro de 2010, o Doxa analisou 57.168 matérias. Ao longo do período observamos 36,9% de matérias positivas, contra 33,3% negativas. As matérias neutras e equilibradas somam 15% e 14,8%, respectivamente.
Esta distribuição variou bastante considerando os jornais e os subperíodos da campanha. Considerando-se o saldo (matérias positivas -matérias negativas) da cobertura nos quatro períodos da campanha (2009, 2010 até o 1º turno, 1º turno e 2º turno), Serra sempre obteve o mais alto saldo positivo, seguido por Lula e por Dilma.
Mas, por mais incrível que possa parecer, ao final do 1º turno, Dilma e Lula tinham saldo de 1%, e Serra, 0%. Nos 30 dias do 2º turno, Serra obteve saldo positivo de 9%, seguido de Lula, com 5%, e Dilma chegou ao final do 2º turno com saldo negativo de 1%.
A origem deste quadro aparentemente esdrúxulo está no comportamento de "O Estado", cujas matérias, ao longo dos dois turnos, apresentaram saldos positivos para Serra e negativos para Lula e Dilma, como se observa nos gráficos dos saldos desses três personagens.
Olhando de um satélite, apesar dos altos e baixos de cada um, na topografia "desenhada" pelo geógrafo de "O Estado" Serra seria o vencedor, e Dilma Rousseff e seu patrocinador, os perdedores.
A Folha foi o jornal mais crítico em relação a Serra, especialmente a partir de julho até o final da campanha.
"O Globo" ora se comportava como o "Estado", ora como a Folha, dependendo do personagem. Sobre Serra, o "Globo" e o "Estado" tiveram o mesmo comportamento; sobre Lula e Dilma; "Globo" e Folha andaram, basicamente, de mãos dadas.

EQUILÍBRIO DESEJADO
Acima chamei a atenção para a necessidade do espaço público jornal ser o mais equilibrado possível em nome da difusão democrática da informação. A difusão equilibrada da informação não implica o controle do conteúdo da informação, mas sim a igualdade de acesso ao espaço difusor. O controle ao acesso e ao conteúdo à mídia só existe hoje sobre o rádio e a TV durante o período eleitoral. Jornais e web são declarados territórios totalmente livres, salvo em casos de natureza moral.
Sem entrar neste debate, chamo a atenção apenas sobre o aspecto mercadológico. Jornais vivem de publicidade, assinantes e consumidores eventuais. Em ocasiões especiais os leitores procuram informação e orientação sobre as polêmicas a serem decididas, caso típico de momentos eleitorais. Se um jornal pende para um lado, o risco é a perda de receita ou ficar restrito aos seus anunciantes e assinantes, tornando-se um "panfleto".
Se este é seu objetivo, sua autopromoção pode tornar-se fraudulenta, com ares de propaganda enganosa, pois procuramos informação, mas só encontramos "panfletos". Por outro lado, um jornal pode tomar uma posição e defender uma causa. Certamente encontrará o seu público. A não declaração de suas preferências políticas e eleitorais é que beira à fraude midiática. Neste particular o "Estado" tem sido nobre, pois sempre faz um editorial apoiando o candidato de sua preferência. Sem este tipo de atitude só o especialista é capaz de perceber rapidamente de que lado o jornal está.
Estas atitudes -posições veladas ou abertas- não os eximem de ter um padrão equilibrado diante das disputas. Nesta eleição observamos que os três jornais tiveram baixa frequência de matérias equilibradas, especialmente no período da campanha. No geral observamos a média de 15% de matérias equilibradas. É muito pouco para quem se enaltece de ser guardião da democracia.

MARCUS FIGUEIREDO, 69, é professor de ciência política da Uerj, coordenador do laboratório Doxa e autor de "A Decisão do Voto: Democracia e Racionalidade".


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