São Paulo, domingo, 04 de setembro de 2011

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Ex-terrorista conclui seu 18º livro, inspirado no Brasil

MORRIS KACHANI
DE SÃO PAULO

Cesare Battisti acaba de escrever "Ao Pé do Muro", narrativa composta "80% por fatos reais e 20% por deduções". Nele rememora os cerca de três anos de vida clandestina no Brasil numa trama que envolve paixão, espionagem, MST e paranoia.
Concebido na prisão, onde gastou outros quatro anos até ser solto em 2011, relata o modo de vida atrás das grades (baralhos, novelas e futebol) e impressões acerca da população brasileira, da qual diz ter aprendido a gostar.
"Ao Pé do Muro", escrito em francês, deve ser lançado pela Martins Martins Fontes em dezembro. A Folha teve acesso exclusivo à obra.
O narrador em primeira pessoa, Auguste, nome tomado emprestado ao gato de Battisti nos tempos de Paris, lembra o momento em que desembarcou em Fortaleza vindo de Cabo Verde com um passaporte francês falsificado à perfeição e comprado na Ásia com o auxílio de Aurea, uma brasileira que é agente dupla, filha de latifundiários com discurso humanista.
Auguste parte rumo a um acampamento do MST no Tocantins em busca de Sandra, amiga de Aurea. Descobre que a área foi reocupada por "ricaços de Mercedes".
Encontra Sandra em Duque de Caxias (RJ) e vive um romance com sua filha adotiva, Janaína. Mas a vida clandestina o deixa paranoico e doente. Janaína lhe mostra um buraco atrás da pia da cozinha usado por espiões.
Ela o leva ao médico e lhe oferece ervas do candomblé, mas ele desconfia que será envenenado e traído. Passa a encarar a prisão como um alívio. Vai se entregar numa delegacia e é barrado na porta.
Se a dose de realidade do livro alardeada pelo autor é essa mesmo, difícil saber. Janaína, diz Battisti, continua sendo sua companheira. Esta é sua 18ª obra. Na França, ele conquistou relativo sucesso como autor de suspenses.
Manipulador, Battisti demonstra inesperado talento na escrita: mostra Auguste como vítima de uma injustiça histórica, um ex-guerrilheiro derrotado que é obrigado a viver nas bordas de uma sociedade que lhe é estranha. E a vida precária de clandestinidade, como digna de pena.
Não à toa, ao ser indagado sobre seus heróis literários, Battisti cita Kakfa ("O Processo") e Dostoiévski ("Crime e Castigo"). Mas esquece de dizer que nenhum dos dois terminou seus dias na praia.


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