São Paulo, domingo, 06 de junho de 2010

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ANÁLISE
ELEIÇÕES 2010

País assiste à flexibilização das fronteiras ideológicas

PT e PSDB, que polarizam disputa, baniram a corrupção do debate


QUEM OBSERVA A SUCESSÃO TEM A IMPRESSÃO DE QUE A POLÍTICA PERDEU NO CAMINHO ALGO ESSENCIAL: RECATO


JOSIAS DE SOUZA
DE BRASÍLIA

Prisioneiros do próprio impudor, PSDB e PT baniram do debate eleitoral de 2010 um tema antes obrigatório: corrupção.
Desapareceu da cena política brasileira a presunção de superioridade moral. As legendas que polarizam a disputa integraram-se à perversão comum a todas as siglas.
Nos últimos 16 anos -dois mandatos de Fernando Henrique e dois de Lula- o brasileiro assistiu a uma notável flexibilização das fronteiras éticas e ideológicas.
A "social-democracia" tucana e o "socialismo" petista provaram-se capazes de ceder a todas as tentações -da maleabilidade nos costumes às alianças esdrúxulas.
Impossível, por exemplo, mencionar o mensalão sem especificar o sobrenome. Há o mensalão do PT, o mensalão do PSDB mineiro, o mensalão do DEM de Brasília.
Na composição das alianças, a integridade dos ovos não vale mais nada. Só importa o proveito da omelete, convertida em tempo de TV.
Os candidatos nem se preocupam em varrer as cascas para baixo do tapete. Acham que não devem nada para o eleitor, muito menos explicações.
A união do impensável com o inacreditável não assusta mais. Até a imprensa trata as coligações com notável indulgência.
Sobre o pano de fundo da decomposição, a ex-militante Dilma Rousseff é uma nova mulher. Dá as mãos a José Sarney, um sobrevivente da ditadura que ela se jacta de ter combatido.
José Serra abraça Orestes Quércia. E esquece que, junto com FHC, Franco Montoro e Mario Covas, deixara o PMDB para não chamar de companheiro quem agora admite como aliado.
O PT de Dilma converte em heróis da resistência políticos incontroversos como Renan Calheiros e Jader Barbalho. O PSDB de Serra silencia.
A reação soaria a pantomima. Renan foi ministro de FHC. Da Justiça! Jader mandou e, sobretudo, desmandou na Sudam e no Senado da era tucana.
Quem observa a sucessão de 2010 tem a impressão de que a política perdeu pelo caminho algo essencial: o recato. Quem se assombra com o já visto não imagina o que está por vir.
Institucionalizou-se a impudência sem culpa. A adesão de ex-puros a ex-inimigos, mais que estratégia, tornou-se comunhão de estilos.
A corrupção virou uma bandeira órfã porque, generalizada, a desfaçatez fez da anomalia algo, por assim dizer, normal. Formou-se um insuperável deficit estético.


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