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ENTREVISTA JOÃO SANTANA
Caso Erenice provocou o 2º turno, diz marqueteiro
Para Santana, "vazio oceânico" deixado por Lula dará a Dilma chance de ocupar a "cadeira da rainha" que existe "na mitologia política brasileira'
FERNANDO RODRIGUES
ENVIADO ESPECIAL A SALVADOR
Dilma Rousseff ganhou a
eleição para presidente, a
primeira de sua vida. Mas seu
marqueteiro, João Santana,
venceu sua terceira disputa
desse gênero. Ele é o profissional latino-americano mais
bem-sucedido na área de comunicação política-eleitoral
em anos recentes.
Além de ser o responsável
pela propaganda de Dilma,
comandou também a reeleição de Luiz Inácio Lula da
Silva, em 2006, e a eleição do
presidente de El Salvador,
Mauricio Funes, em 2009.
Em uma de suas raras entrevistas, Santana, 57, falou à
Folha na quarta-feira em sua
casa de veraneio, na Bahia.
Sobre as razões de a disputa ter sido remetida ao segundo turno, aponta como principal fator o escândalo do esquema de tráfico de influência na Casa Civil, envolvendo
Erenice Guerra, sucessora de
Dilma naquela pasta:
"O caso Erenice foi o mais
decisivo porque atuou, negativamente, de forma dupla:
reacendeu a lembrança do
mensalão e implodiu, temporariamente, a moldura
mais simbólica que estávamos construindo da competência de Dilma, no caso, a
Casa Civil".
Santana filosofa sobre a
troca de poder de Lula para
Dilma. "As paixões populares são múltiplas porque o
povo não é politicamente
monogâmico. O povo é, por
natureza, sincretista e politicamente polígamo", diz.
Para ele, haverá um "vazio
oceânico" com a saída de Lula. Mas haveria "na mitologia
política e sentimental brasileira uma imensa cadeira vazia" que ele chama "metaforicamente" de "cadeira da
rainha", e que "poderá ser
ocupada por Dilma".
Arrisca um conselho aos
políticos: "Não subestimem
Dilma. Vale tanto para opositores como para apoiadores
da nova presidente".
O marqueteiro agora estuda propostas para atuar em
eleições presidenciais no Peru, na Argentina, na Guatemala, na República Dominicana e no México. A seguir,
trechos da entrevista de Santana à Folha. A versão integral pode ser lida em folha.com.br/po826409.
Folha - Quais as diferenças e
semelhanças entre as duas
últimas campanhas presidenciais no Brasil?
João Santana - Pontos em
comum: o profundo desdém
da oposição aos candidatos
Lula e Dilma nas pré-campanhas; o susto que tomaram
no início dos dois primeiros
turnos com o crescimento rápido e vigoroso dos nossos
dois candidatos; a falsa ilusão de vitória que eles criaram na passagem do primeiro para o segundo turno; e a
desilusão e desfecho finais.
Pontos de dessemelhança:
apesar das aparências, a
campanha de 2010 foi de
uma complexidade estratégica, e principalmente tática,
imensamente maior do que a
de 2006. Eu diria até que do
ponto de vista do marketing
esta talvez tenha sido a campanha presidencial mais
complexa dos últimos tempos no Brasil.
Por que Dilma não venceu no
1º turno?
O eleitorado brasileiro é
um dos mais maduros do
mundo. Uma das provas é a
consolidação cada vez maior
da "cultura de segundo turno" nas eleições presidenciais. E ela atua, paradoxalmente, junto com outro comportamento aparentemente
antagônico: a consagração
do princípio da reeleição.
O de deixar um bom governo continuar, mas, ao mesmo tempo, não aceitar passivamente tudo o que ele faz.
Parte do eleitorado tinha
um fabuloso atalho, que era
a candidatura Marina, para
praticar o "voto de espera", o
voto reflexivo. Utilizou esse
ancoradouro para mandar
alguns recados para os principais candidatos.
Quais recados?
No nosso caso: "Olha, eu
aprovo o governo de vocês,
mas não concordo com tudo
que acontece dentro dele;
adoro o Lula, mas quero conhecer melhor a Dilma".
No caso do Serra: "Seja
mais você mesmo, porque
desse jeito aí você não me engana; mas, afinal, qual é
mesmo esse Brasil novo que
você propõe?; me diga lá: você é candidato a prefeito, a
pastor ou a presidente?"
Em que se sustenta a tese de
que foi a mais complexa campanha dos últimos tempos?
Tínhamos uma candidata
que era uma pessoa de grande valor, enorme potencial,
porém muitíssimo pouco conhecida. Tínhamos o desafio
de transformar em voto direto, e apaixonado, uma pessoa que chegava à primeira
cena por força de uma escolha indireta, quase imperial.
Tínhamos que transformar
a força vulcânica de Lula em
fator equilibrado de transferência de voto, com o risco
permanente de a transfusão
virar overdose e aniquilar o
receptor.
Tínhamos a missão de fazer Dilma conhecida e ao
mesmo tempo amada; uma
personagem original, independente, de ideias próprias
e, ao mesmo tempo, umbilicalmente ligada a Lula; capaz de continuar o governo
Lula, mas capaz de inovar.
O que mais facilitou e atrapalhou o trabalho?
O que mais nos ajudou foram as lendas equivocadas
que a oposição foi construindo sistematicamente.
No início, construíram
quatro lendas eleitorais: que
Lula não transferia voto, que
Dilma ia ser péssima na TV,
que Dilma ia ser um desastre
nos debates e que, a qualquer momento, iria provocar
uma gafe irremediável nas
entrevistas. Nada disso ocorreu, muito pelo contrário.
Construíram, pelo menos,
quatro lendas biográficas:
que Dilma tinha um passado
obscuro na luta armada, que
era uma pessoa de currículo
inconsistente, que teve um
mau desempenho no governo Lula, e que o fato de ter tido câncer seria fatal para a
candidatura.
E construíram lendas políticas. As principais eram que
Dilma não uniria o PT, não
teria jogo de cintura para as
negociações e que não saberia dialogar com a base.
Outra vez, tudo foi por terra. Gostaria adiante de comentar sobre novas lendas
equivocadas que já começam
a construir sobre o futuro governo Dilma.
A oposição apostou numa
guerra moral e religiosa. Isso
não atrapalhou?
De forma irreversível, não.
Acho, inclusive, que no final
o feitiço virou mais contra o
feiticeiro. As questões do
aborto e da suposta blasfêmia foram apenas vírgulas
que ajudaram a nos levar para o segundo turno. Repito,
apenas vírgulas.
O caso Erenice foi o mais
decisivo porque atuou, negativamente, de forma dupla:
reacendeu a lembrança do
mensalão e implodiu, temporariamente, a moldura
mais simbólica que estávamos construindo da competência de Dilma, no caso, a
Casa Civil.
Por motivos óbvios, vínhamos ressaltando, com grande ênfase, a importância da
Casa Civil. Na cabeça das
pessoas, a Casa Civil estava
se transformando numa espécie de gabinete paralelo da
Presidência. E o escândalo
Erenice abalou, justamente,
esse alicerce.
O que são as "novas lendas
equivocadas" sobre Dilma?
Eu acho necessário um humilde alerta: não subestimem Dilma Rousseff. Esse
alerta vale tanto para opositores como para apoiadores
da nova presidente.
Já começam a pipocar análises apressadas de que Dilma dificilmente preencherá o
grande vazio sentimental e
simbólico que será deixado
por Lula. Bobagem.
A ausência de Lula deixa
uma espécie de vazio oceânico. Lula é uma figura única,
que uma nação precisa de séculos pra construir. Mas Dilma, em lugar de ser prejudicada por esse vazio, será beneficiada por ele.
É preciso também estar
atento para o fato de que as
paixões populares são múltiplas porque o povo não é politicamente monogâmico. O
povo é por natureza sincretista e politicamente polígamo.
E há na mitologia política e
sentimental brasileira uma
imensa cadeira vazia, que
chamo metaforicamente de
"cadeira da rainha", e que
poderá ser ocupada por Dilma. A República brasileira
não produziu uma única
grande figura feminina, nem
mesmo conjugal.
Dilma tem tudo para ocupar esse espaço. O espaço
metafórico da cadeira da rainha só foi parcialmente ocupado pela princesa Isabel.
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