São Paulo, domingo, 07 de novembro de 2010

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ENTREVISTA JOÃO SANTANA

Caso Erenice provocou o 2º turno, diz marqueteiro

Para Santana, "vazio oceânico" deixado por Lula dará a Dilma chance de ocupar a "cadeira da rainha" que existe "na mitologia política brasileira'

FERNANDO RODRIGUES
ENVIADO ESPECIAL A SALVADOR

Dilma Rousseff ganhou a eleição para presidente, a primeira de sua vida. Mas seu marqueteiro, João Santana, venceu sua terceira disputa desse gênero. Ele é o profissional latino-americano mais bem-sucedido na área de comunicação política-eleitoral em anos recentes.
Além de ser o responsável pela propaganda de Dilma, comandou também a reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006, e a eleição do presidente de El Salvador, Mauricio Funes, em 2009.
Em uma de suas raras entrevistas, Santana, 57, falou à Folha na quarta-feira em sua casa de veraneio, na Bahia.
Sobre as razões de a disputa ter sido remetida ao segundo turno, aponta como principal fator o escândalo do esquema de tráfico de influência na Casa Civil, envolvendo Erenice Guerra, sucessora de Dilma naquela pasta:
"O caso Erenice foi o mais decisivo porque atuou, negativamente, de forma dupla: reacendeu a lembrança do mensalão e implodiu, temporariamente, a moldura mais simbólica que estávamos construindo da competência de Dilma, no caso, a Casa Civil".
Santana filosofa sobre a troca de poder de Lula para Dilma. "As paixões populares são múltiplas porque o povo não é politicamente monogâmico. O povo é, por natureza, sincretista e politicamente polígamo", diz. Para ele, haverá um "vazio oceânico" com a saída de Lula. Mas haveria "na mitologia política e sentimental brasileira uma imensa cadeira vazia" que ele chama "metaforicamente" de "cadeira da rainha", e que "poderá ser ocupada por Dilma".
Arrisca um conselho aos políticos: "Não subestimem Dilma. Vale tanto para opositores como para apoiadores da nova presidente".
O marqueteiro agora estuda propostas para atuar em eleições presidenciais no Peru, na Argentina, na Guatemala, na República Dominicana e no México. A seguir, trechos da entrevista de Santana à Folha. A versão integral pode ser lida em folha.com.br/po826409.

 

Folha - Quais as diferenças e semelhanças entre as duas últimas campanhas presidenciais no Brasil?
João Santana
- Pontos em comum: o profundo desdém da oposição aos candidatos Lula e Dilma nas pré-campanhas; o susto que tomaram no início dos dois primeiros turnos com o crescimento rápido e vigoroso dos nossos dois candidatos; a falsa ilusão de vitória que eles criaram na passagem do primeiro para o segundo turno; e a desilusão e desfecho finais.
Pontos de dessemelhança: apesar das aparências, a campanha de 2010 foi de uma complexidade estratégica, e principalmente tática, imensamente maior do que a de 2006. Eu diria até que do ponto de vista do marketing esta talvez tenha sido a campanha presidencial mais complexa dos últimos tempos no Brasil.

Por que Dilma não venceu no 1º turno?
O eleitorado brasileiro é um dos mais maduros do mundo. Uma das provas é a consolidação cada vez maior da "cultura de segundo turno" nas eleições presidenciais. E ela atua, paradoxalmente, junto com outro comportamento aparentemente antagônico: a consagração do princípio da reeleição.
O de deixar um bom governo continuar, mas, ao mesmo tempo, não aceitar passivamente tudo o que ele faz.
Parte do eleitorado tinha um fabuloso atalho, que era a candidatura Marina, para praticar o "voto de espera", o voto reflexivo. Utilizou esse ancoradouro para mandar alguns recados para os principais candidatos.

Quais recados?
No nosso caso: "Olha, eu aprovo o governo de vocês, mas não concordo com tudo que acontece dentro dele; adoro o Lula, mas quero conhecer melhor a Dilma".
No caso do Serra: "Seja mais você mesmo, porque desse jeito aí você não me engana; mas, afinal, qual é mesmo esse Brasil novo que você propõe?; me diga lá: você é candidato a prefeito, a pastor ou a presidente?"

Em que se sustenta a tese de que foi a mais complexa campanha dos últimos tempos?
Tínhamos uma candidata que era uma pessoa de grande valor, enorme potencial, porém muitíssimo pouco conhecida. Tínhamos o desafio de transformar em voto direto, e apaixonado, uma pessoa que chegava à primeira cena por força de uma escolha indireta, quase imperial.
Tínhamos que transformar a força vulcânica de Lula em fator equilibrado de transferência de voto, com o risco permanente de a transfusão virar overdose e aniquilar o receptor.
Tínhamos a missão de fazer Dilma conhecida e ao mesmo tempo amada; uma personagem original, independente, de ideias próprias e, ao mesmo tempo, umbilicalmente ligada a Lula; capaz de continuar o governo Lula, mas capaz de inovar.

O que mais facilitou e atrapalhou o trabalho?
O que mais nos ajudou foram as lendas equivocadas que a oposição foi construindo sistematicamente.
No início, construíram quatro lendas eleitorais: que Lula não transferia voto, que Dilma ia ser péssima na TV, que Dilma ia ser um desastre nos debates e que, a qualquer momento, iria provocar uma gafe irremediável nas entrevistas. Nada disso ocorreu, muito pelo contrário.
Construíram, pelo menos, quatro lendas biográficas: que Dilma tinha um passado obscuro na luta armada, que era uma pessoa de currículo inconsistente, que teve um mau desempenho no governo Lula, e que o fato de ter tido câncer seria fatal para a candidatura.
E construíram lendas políticas. As principais eram que Dilma não uniria o PT, não teria jogo de cintura para as negociações e que não saberia dialogar com a base.
Outra vez, tudo foi por terra. Gostaria adiante de comentar sobre novas lendas equivocadas que já começam a construir sobre o futuro governo Dilma.

A oposição apostou numa guerra moral e religiosa. Isso não atrapalhou?
De forma irreversível, não. Acho, inclusive, que no final o feitiço virou mais contra o feiticeiro. As questões do aborto e da suposta blasfêmia foram apenas vírgulas que ajudaram a nos levar para o segundo turno. Repito, apenas vírgulas.
O caso Erenice foi o mais decisivo porque atuou, negativamente, de forma dupla: reacendeu a lembrança do mensalão e implodiu, temporariamente, a moldura mais simbólica que estávamos construindo da competência de Dilma, no caso, a Casa Civil.
Por motivos óbvios, vínhamos ressaltando, com grande ênfase, a importância da Casa Civil. Na cabeça das pessoas, a Casa Civil estava se transformando numa espécie de gabinete paralelo da Presidência. E o escândalo Erenice abalou, justamente, esse alicerce.

O que são as "novas lendas equivocadas" sobre Dilma?
Eu acho necessário um humilde alerta: não subestimem Dilma Rousseff. Esse alerta vale tanto para opositores como para apoiadores da nova presidente.
Já começam a pipocar análises apressadas de que Dilma dificilmente preencherá o grande vazio sentimental e simbólico que será deixado por Lula. Bobagem.
A ausência de Lula deixa uma espécie de vazio oceânico. Lula é uma figura única, que uma nação precisa de séculos pra construir. Mas Dilma, em lugar de ser prejudicada por esse vazio, será beneficiada por ele.
É preciso também estar atento para o fato de que as paixões populares são múltiplas porque o povo não é politicamente monogâmico. O povo é por natureza sincretista e politicamente polígamo.
E há na mitologia política e sentimental brasileira uma imensa cadeira vazia, que chamo metaforicamente de "cadeira da rainha", e que poderá ser ocupada por Dilma. A República brasileira não produziu uma única grande figura feminina, nem mesmo conjugal.
Dilma tem tudo para ocupar esse espaço. O espaço metafórico da cadeira da rainha só foi parcialmente ocupado pela princesa Isabel.


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