São Paulo, sexta-feira, 08 de outubro de 2010

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ANÁLISE

Pauta religiosa empurra para segundo plano os escândalos

JOSIAS DE SOUZA
DE BRASÍLIA

A melhor maneira de "resolver" um grave problema é levar à mesa um problema menor, submetendo-o a uma exaustiva discussão.
Em pouco tempo, exaustos de tanto debate, os personagens envolvidos na problemática já não se sentem obrigados a resolver nada.
É mais ou menos o que se passa na campanha deste ano. A pauta religiosa, de timbre moralista, empurra para o segundo plano os escândalos da eleição.
O noticiário injetou na cena eleitoral um par de problemas graúdos: o "Fiscogate" e o "Erenicegate".
Surfando sobre as manchetes, o presidenciável tucano José Serra cuidou de amplificar os escândalos. Trombeteou-os em entrevistas e na propaganda eletrônica.
Emparedada, a rival petista Dilma Rousseff classificou os malfeitos ora de "baixaria" ora de "factóide". Depois, como a encrenca se avolumasse, defendeu a apuração.
Súbito, ninguém mais fala da violação de sigilos na Receita. Nem Serra. O tráfico de influência na Casa Civil ganhou aparência de coisa menor. Respostas? Nem pensar.
Lula e o petismo atribuem o segundo turno sobretudo à "boataria" que associa Dilma à defesa da legalização do aborto. Algo que, diga-se, a candidata de fato defendeu.
Diz-se que o aborto fez o eleitorado de Dilma migrar para a evangélica Marina Silva. Rebarba-se um detalhe: Marina não soou peremptória sobre o tema.
A presidenciável verde declara-se a favor da vida. Mas subordina a legislação sobre a matéria a um plebiscito. Algo que tampouco soa bem às orelhas carolas.
Assim, a lógica indica que o lero-lero beato pode ter ajudado a levar a disputa para a prorrogação. Mas não foi à balança com o peso que se lhe atribui.
O mesmo não pode ser dito dos escândalos. O caso do fisco, por intrincado, balançou apenas o eleitor mais abonado e portador de canudo universitário.
A malfeitoria da Casa Civil, de fácil apreensão, desceu às faixas menos afortunadas da pirâmide social.
O Datafolha revestiu o óbvio com manto científico. Constatou que, antes da violação na Receita e da demissão da ministra Erenice Guerra, Dilma somava 57% dos votos válidos.
Duas semanas depois, caiu para 51%. Estava claro que um pedaço do eleitorado da pupila do presidente Lula claudicava. Seus votos migravam mais para Marina que para Serra.
Foi sob essa atmosfera que sobreveio o segundo round. Junto com ele, o escamoteamento dos malfeitos, agora submetidos a um conveniente banho-maria. De novo: Respostas? Nem pensar. Melhor falar de aborto.


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