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ANÁLISE
Pauta religiosa empurra para segundo plano os escândalos
JOSIAS DE SOUZA
DE BRASÍLIA
A melhor maneira de "resolver" um grave problema é
levar à mesa um problema
menor, submetendo-o a uma
exaustiva discussão.
Em pouco tempo, exaustos de tanto debate, os personagens envolvidos na problemática já não se sentem
obrigados a resolver nada.
É mais ou menos o que se
passa na campanha deste
ano. A pauta religiosa, de
timbre moralista, empurra
para o segundo plano os escândalos da eleição.
O noticiário injetou na cena eleitoral um par de problemas graúdos: o "Fiscogate" e
o "Erenicegate".
Surfando sobre as manchetes, o presidenciável tucano José Serra cuidou de
amplificar os escândalos.
Trombeteou-os em entrevistas e na propaganda eletrônica.
Emparedada, a rival petista Dilma Rousseff classificou
os malfeitos ora de "baixaria" ora de "factóide". Depois, como a encrenca se
avolumasse, defendeu a
apuração.
Súbito, ninguém mais fala
da violação de sigilos na Receita. Nem Serra. O tráfico de
influência na Casa Civil ganhou aparência de coisa menor. Respostas? Nem pensar.
Lula e o petismo atribuem
o segundo turno sobretudo à
"boataria" que associa Dilma
à defesa da legalização do
aborto. Algo que, diga-se, a
candidata de fato defendeu.
Diz-se que o aborto fez o
eleitorado de Dilma migrar
para a evangélica Marina Silva. Rebarba-se um detalhe:
Marina não soou peremptória sobre o tema.
A presidenciável verde declara-se a favor da vida. Mas
subordina a legislação sobre
a matéria a um plebiscito. Algo que tampouco soa bem às
orelhas carolas.
Assim, a lógica indica que
o lero-lero beato pode ter ajudado a levar a disputa para a
prorrogação. Mas não foi à
balança com o peso que se
lhe atribui.
O mesmo não pode ser dito
dos escândalos. O caso do fisco, por intrincado, balançou
apenas o eleitor mais abonado e portador de canudo universitário.
A malfeitoria da Casa Civil,
de fácil apreensão, desceu às
faixas menos afortunadas da
pirâmide social.
O Datafolha revestiu o óbvio com manto científico.
Constatou que, antes da violação na Receita e da demissão da ministra Erenice Guerra, Dilma somava 57% dos
votos válidos.
Duas semanas depois,
caiu para 51%. Estava claro
que um pedaço do eleitorado
da pupila do presidente Lula
claudicava. Seus votos migravam mais para Marina
que para Serra.
Foi sob essa atmosfera que
sobreveio o segundo round.
Junto com ele, o escamoteamento dos malfeitos, agora
submetidos a um conveniente banho-maria. De novo:
Respostas? Nem pensar. Melhor falar de aborto.
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