São Paulo, quarta-feira, 09 de fevereiro de 2011

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ELIO GASPARI

Um Frank Wisner para cada época


O enviado de Obama ao Cairo viu-se metido no clima de casa de mãe joana da diplomacia americana


O COMPANHEIRO OBAMA misturou política externa e marquetagem. Resultado: quase queimou o filme do embaixador Frank Wisner, um dos melhores diplomatas de sua geração. No início da crise egípcia, mandou-o ao Cairo para conversar com Hosni Mubarak.
Ele reuniu-se com o faraó no dia 2 e obteve o compromisso de que deixaria o poder depois da eleição de setembro. Para a multidão da praça Tahrir, era pouco.
Os marqueteiros da Casa Branca engrossaram o coro, e a secretária de Estado, Hillary Clinton, informou que a transição deveria ser negociada com o vice-presidente Omar Suleiman. Poucas horas antes, Wisner dissera o contrário, que a permanência de Mubarak era necessária. Ele sabia do que falava e acabou prevalecendo. Mas deu à diplomacia norte-americana um tom de casa de mãe joana.
Dentro de alguns meses se saberá o que aconteceu entre o dia em que Wisner voou para o Cairo e a hora em que ele trombou com madame Clinton. Uma coisa é certa: nesse lance, o profissional é Wisner, até porque Mubarak continua no palácio.
Aos 72 anos, aposentado, o embaixador é um laureado veterano. Nos anos 90, sem barulho, convenceu os russos a desmontar sua máquina de guerra bacteriológica. Em 2008, costurou o acordo da independência do Kosovo. Durante o governo Bush, tentou negociar um caminho para o programa nuclear iraniano. Deu em nada, assim como ninguém o ouviu quando avisou que a invasão do Iraque seria um erro.
Wisner tomou uma pedrada vinda da barafunda instalada na diplomacia americana. É um caos suprapartidário, reflexo do esgarçamento do aparelho decisório de Washington.
Os serviços envolvidos na política externa expandiram-se, segregaram-se e acabam fazendo tanto a coisa (Mubarak fica) como o seu contrário (Mubarak sai). Em 2009, aconteceu algo parecido em Honduras, onde Obama denunciou o golpe e tolerou os golpistas.
Numa trapaça da história, sabe-se que todo mês Wisner preside uma mesa de velhos diplomatas reunidos para almoçar e trocar ideias no Metropolitan Club, em Nova York. Discutem política externa, mas não se fazem mesas como as de antigamente. Há mais de meio século, Washington era uma cidade provinciana e os grão-duques da diplomacia jantavam aos domingos na casa de seu pai e homônimo.
Era uma mesa para ninguém botar defeito, com Dean Acheson (secretário de Estado de 1949 a 1953), George Kennan (o formulador da teoria da contenção do império soviético) e, às vezes, Allen Dulles (o criador da CIA). Dela saiu a indicação de Frank Wisner para chefiar o braço clandestino do aparelho de inteligência dos EUA.
Foi Wisner quem coordenou a derrubada do primeiro-ministro iraniano Mossadegh em 1953 e do presidente guatemalteco Jacobo Arbenz, no ano seguinte. Pense-se na mão invisível da CIA até o final dos anos 50 e lá estarão digitais de Wisner, inclusive no estímulo às atividades dos árabes anticomunistas da Irmandade Muçulmana. (Deixou esse abacaxi para o filho, que foi embaixador no Egito de 1986 a 1991.)
Wisner misturava simpatia e tenacidade. O FBI o acusava de namorar uma princesa romena que seria agente russa. (Seu chefe, Allen Dulles, namorou a rainha da Grécia, que fora da Juventude Nazista.) Muita bebida e enormes obsessões destruíram-lhe os nervos até que em 1965, aos 56 anos, matou-se com um tiro na cabeça.


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