São Paulo, quinta-feira, 09 de setembro de 2010

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Teimosa e cobiçada

Bairro recifense revitalizado após uma promessa de Lula , onde ele e Dilma são soberanos, Brasília Teimosa é alvo da especulação imobiliária

FABIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL AO RECIFE

Em 2001, Neusa Ferreira, 59 anos, comprou por R$ 10 mil uma casa simples de dois quartos em Brasília Teimosa, bairro popular do Recife, numa área praieira cercada por palafitas, dejetos e sujeira.
A retirada dos barracos para construção de uma avenida com orla para lazer à beira-mar, uma das obras-símbolo do governo Lula, melhorou a vida de quem, como ela, conviveu por anos com a favela, mas ao mesmo tempo tornou o lugar alvo de uma fúria sem precedente da especulação imobiliária.
Neusa foi fisgada pela onda. Há dois meses, a dona de casa vendeu seu imóvel por R$ 200 mil. E percebe agora que vendeu barato.
Luzinete Martins, 65, sua ex-vizinha na avenida Brasília Formosa, acaba de rejeitar oferta de R$ 390 mil por sua casa igualmente espartana, num terreno de 6 m x 20 m.
Em 2003, logo que assumiu a Presidência, Lula foi com uma comitiva de ministros a Brasília Teimosa e prometeu retirar as palafitas, arrasadas a cada ressaca.
"A gente vivia na merda mesmo. Na maré de agosto, o muro [de contenção] estourava, misturava esgoto, pena de galinha, cachorro morto. O tráfico [de drogas] era pesado. Agora virou Primeiro Mundo, filé", relata o porteiro Veigman Alves, 35.

DIVIDENDO ELEITORAL
A obra, parceria entre governo federal e prefeitura, hoje rende dividendos eleitorais a Lula e à candidata governista, Dilma Rousseff.
"Sou evangélica, e na igreja [Batista] estão dizendo para votar em Marina. Mas não posso, vou com Dilma, porque Lula foi um pai para mim. Se ele não tivesse feito aquela orla, eu não teria comprado essa minha casa", afirma Neusa, ecoando tendência corrente no bairro.
Com o dinheiro da venda do imóvel na orla, a dona de casa adquiriu, por R$ 152 mil, no miolo de Brasília Teimosa, um sobrado de dois andares e varandas com vista estonteante para o mar.
Os termos da primeira transação são a melhor alegoria do faroeste que se projeta sobre a região.
O empresário que comprou o imóvel da orla relevou o fato de que Neusa, como a maioria dos moradores, não tem o título de posse da terra (o "Teimosa", aliás, vem da persistência na batalha pela legalização, que remonta à construção da capital federal -daí o "Brasília").
Pagou os R$ 200 mil, em dinheiro vivo, e acertou que, quando receber o título de posse, Neusa lhe repassará.
O especulador fez ofertas a todos os ex-vizinhos de Neusa, num sinal de que quer grandes terrenos. Pouco importou-se que o bairro está numa Zeis (Zona Especial de Interesse Social) e não se pode erguer prédios ali.
"Uma lei que vai revogar isso já está em andamento. Em quatro ou cinco anos deve liberar", disse o empresário, em entrevista gravada. Ele pediu anonimato.
A prefeitura informou que, da parte do Executivo, não há "nenhum interesse em alterar a característica das áreas Zeis, especialmente a de Brasília Teimosa".
Mas basta olhar ao redor, na saturada zona sul da cidade, para ver que é comum dar-se um jeito. Na entrada do bairro, foi erguido em 2006 um prédio comercial de 20 andares. Parte do terreno era Zeis, mas um acerto entre empresários, prefeitura e moradores viabilizou a obra.
Do outro lado da bacia do Pina, já há moradores nas novíssimas torres gêmeas de 41 andares, aberração urbanística cuja construção o Ministério Público tentou sem sucesso barrar na Justiça.


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