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Teimosa e cobiçada
Bairro recifense revitalizado após uma promessa de Lula , onde ele e Dilma são soberanos, Brasília Teimosa é alvo da especulação imobiliária
FABIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL AO RECIFE
Em 2001, Neusa Ferreira,
59 anos, comprou por R$ 10
mil uma casa simples de dois
quartos em Brasília Teimosa,
bairro popular do Recife, numa área praieira cercada por
palafitas, dejetos e sujeira.
A retirada dos barracos para construção de uma avenida com orla para lazer à beira-mar, uma das obras-símbolo do governo Lula, melhorou a vida de quem, como
ela, conviveu por anos com a
favela, mas ao mesmo tempo
tornou o lugar alvo de uma
fúria sem precedente da especulação imobiliária.
Neusa foi fisgada pela onda. Há dois meses, a dona de
casa vendeu seu imóvel por
R$ 200 mil. E percebe agora
que vendeu barato.
Luzinete Martins, 65, sua
ex-vizinha na avenida Brasília Formosa, acaba de rejeitar
oferta de R$ 390 mil por sua
casa igualmente espartana,
num terreno de 6 m x 20 m.
Em 2003, logo que assumiu a Presidência, Lula foi
com uma comitiva de ministros a Brasília Teimosa e prometeu retirar as palafitas, arrasadas a cada ressaca.
"A gente vivia na merda
mesmo. Na maré de agosto, o
muro [de contenção] estourava, misturava esgoto, pena
de galinha, cachorro morto.
O tráfico [de drogas] era pesado. Agora virou Primeiro
Mundo, filé", relata o porteiro Veigman Alves, 35.
DIVIDENDO ELEITORAL
A obra, parceria entre governo federal e prefeitura,
hoje rende dividendos eleitorais a Lula e à candidata governista, Dilma Rousseff.
"Sou evangélica, e na igreja [Batista] estão dizendo para votar em Marina. Mas não
posso, vou com Dilma, porque Lula foi um pai para
mim. Se ele não tivesse feito
aquela orla, eu não teria
comprado essa minha casa",
afirma Neusa, ecoando tendência corrente no bairro.
Com o dinheiro da venda
do imóvel na orla, a dona de
casa adquiriu, por R$ 152 mil,
no miolo de Brasília Teimosa, um sobrado de dois andares e varandas com vista estonteante para o mar.
Os termos da primeira
transação são a melhor alegoria do faroeste que se projeta sobre a região.
O empresário que comprou o imóvel da orla relevou
o fato de que Neusa, como a
maioria dos moradores, não
tem o título de posse da terra
(o "Teimosa", aliás, vem da
persistência na batalha pela
legalização, que remonta à
construção da capital federal
-daí o "Brasília").
Pagou os R$ 200 mil, em
dinheiro vivo, e acertou que,
quando receber o título de
posse, Neusa lhe repassará.
O especulador fez ofertas a
todos os ex-vizinhos de Neusa, num sinal de que quer
grandes terrenos. Pouco importou-se que o bairro está
numa Zeis (Zona Especial de
Interesse Social) e não se pode erguer prédios ali.
"Uma lei que vai revogar
isso já está em andamento.
Em quatro ou cinco anos deve liberar", disse o empresário, em entrevista gravada.
Ele pediu anonimato.
A prefeitura informou que,
da parte do Executivo, não
há "nenhum interesse em alterar a característica das
áreas Zeis, especialmente a
de Brasília Teimosa".
Mas basta olhar ao redor,
na saturada zona sul da cidade, para ver que é comum
dar-se um jeito. Na entrada
do bairro, foi erguido em
2006 um prédio comercial de
20 andares. Parte do terreno
era Zeis, mas um acerto entre
empresários, prefeitura e
moradores viabilizou a obra.
Do outro lado da bacia do
Pina, já há moradores nas
novíssimas torres gêmeas de
41 andares, aberração urbanística cuja construção o Ministério Público tentou sem
sucesso barrar na Justiça.
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