São Paulo, domingo, 10 de julho de 2011

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Pará em pedaços

Debate da divisão do Estado está tão acirrado que será difícil manter unidade se o "não" vencer o plebiscito

VERA MAGALHÃES
ENVIADA ESPECIAL AO PARÁ

Quase dois séculos depois, o Pará reedita a Cabanagem, revolta do século 19 em que índios, negros e mestiços tomaram o poder na então província. Os novos rebeldes querem separar as regiões oeste e sul e fundar os Estados de Carajás e Tapajós.
Antes como agora, o caldo de cultura da insurgência é o sentimento de abandono político e isolamento territorial e a desigualdade econômica entre a capital, Belém, e regiões remotas do interior.
Se em 1835 os rebeldes vinham das camadas mais baixas da sociedade, os "cabanos" de 2011 são empresários, fazendeiros e políticos que conseguiram viabilizar o plebiscito que em 11 de dezembro vai decidir se o Pará será dividido por três.
A Folha visitou as três principais cidades do que será a nova configuração do Estado caso vença a divisão: Marabá, Santarém e Belém.
O que se percebe é que já existe um sentimento arraigado na população das áreas insurgentes pela divisão. Mais: o debate está tão acirrado que haverá dificuldade de estabelecer uma unidade caso o "não" prevaleça.
Mas há diferenças históricas entre os dois projetos de Carajás e Tapajós.
O primeiro é capitaneado por uma elite econômica nova e poderosa, que quer gerir os recursos minerais e a forte agropecuária da região.
O segundo tem maior legitimidade, pois nasceu há 150 anos, mas carece do tônus econômico do vizinho.
Contra ambos estão empresários e políticos da região metropolitana de Belém, que não aceitam perder 86% da área e 44% do PIB.
O governador do Estado, Simão Jatene (PSDB), apontado como contrário à divisão, tem procurado se manter neutro, mas recomenda cautela no debate acalorado.
Ele aponta falhas no projeto de ocupação da Amazônia e desequilíbrios no pacto federativo para dizer que, sem cuidar dessas questões, a divisão não sanará a desigualdade entre capital e interior.
"O Brasil não precisa de mais ou menos Estados. Precisa de Estados fortes, que deem conta das demandas."
Jatene teme que haja frustração da população caso a separação não leve a resultados imediatos. "Toda vez que a elite acena com algo que não pode oferecer, ela desqualifica a política", diz.

INÉDITO
Será a primeira vez que, no Brasil, um plebiscito vai decidir sobre a criação de novos Estados, e só agora as regras estão ficando claras. Uma delas foi um revés para partidários do "sim": a consulta será no Estado todo, não só as regiões que querem se separar.
Os movimentos pró-Carajás e Tapajós ainda esperam que o STF (Supremo Tribunal Federal) reveja essa decisão, mas já articulam uma estratégia de marketing para ganhar votos no que chamam de "Pará remanescente".
O comandante da propaganda pró-Carajás será o marqueteiro Duda Mendonça, réu no mensalão, que é fazendeiro na região e tem participado de reuniões às quais chega de jatinho.
"O Pará ainda ficará com o grosso dos recursos. Hoje somos uma região rica de povo pobre", diz o prefeito de Marabá, Maurino Magalhães.
Uma visita ao sul mostra as mazelas de que reclamam os separatistas: estradas esburacadas ligam cidades sem saneamento básico a assentamentos de sem-terra e latifúndios, uma combinação que faz da região uma das mais violentas do país.
"O governo militar incentivou a ocupação dessa região sem contrapartida em políticas públicas. Temos um passivo social e ambiental e uma completa ausência do Estado", diz o presidente da Associação Comercial de Marabá e membro do movimento pró-Carajás, Ítalo Ipojucan.
Estudo do Ipea mostrou que os novos Estados nasceriam deficitários em cerca de R$ 2 bilhões. Além disso, a nova configuração territorial obrigaria a redivisão de vagas no Congresso e à criação de cargos no Executivo.
Depois da divisão, haverá pressão também pela criação de municípios e disputa para definir as capitais.
Também há dúvidas sobre se Tapajós, sem uma âncora como a Vale do Rio Doce, é viável economicamente. "Temos investimentos como a Alcoa e o Jari, um potencial de ecoturismo e hidrovia", defende a economista Socorro Pena, que comanda o estudo de viabilidade do Estado.
Primo pobre da cabanagem moderna, Tapajós também não terá nenhum mago da publicidade na campanha pelo "sim". Aposta num jingle em ritmo de carimbó e em publicitários "da terra".


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