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ANÁLISE PNAD
Queda de desigualdade na década é lenda
Caiu o desequilíbrio entre assalariados, mas não a obscena diferença entre renda do trabalho e renda do capital
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
O artigo do economista
Marcelo Neri, publicado ontem por esta Folha, ajuda a
perpetuar, por omissão de
um detalhe, a lenda da queda da desigualdade na presente década.
A omissão é de apenas
uma expressão: quando Neri
diz que houve queda da desigualdade de renda, está se
referindo apenas à renda do
trabalho, não à desigualdade, muito mais importante e
muito mais brutal, entre a
renda do trabalho e a renda
do capital.
O próprio texto de Neri deixa claro que não houve redução da desigualdade. Afirma
o economista que, entre 2003
e 2009, as "taxas de crescimento da renda do trabalho
[se deram] em níveis equivalentes ao da renda de todas
as fontes".
Se a renda do trabalho e a
renda do capital ("todas as
fontes") cresceram de uma
maneira equivalente, é matematicamente impossível que
tenha havido uma redução
da desigualdade.
Que a desigualdade realmente relevante se dá entre
renda do trabalho e outras
rendas se verifica em texto de
Marcio Pochmann, escrito
quando trabalhava na Unicamp (atualmente ele é presidente do estatal Ipea, Instituto de Pesquisas Econômicas
Aplicadas).
"A parte da renda do conjunto dos verdadeiramente
ricos afasta-se cada vez mais
da condição do trabalho, para aliar-se a outras modalidades de renda, como aquelas
provenientes da posse da
propriedade (terra, ações, títulos financeiros, entre outras)", diz.
Outro economista do Ipea,
João Sicsú, fez, também antes de ser contratado pelo
instituto estatal, a seguinte
comparação:
"Em 2006, o governo federal pagou R$ 163 bilhões de
juros para os detentores da
dívida pública federal. Aproximadamente 80% desse valor é apropriado por 20 mil famílias -que fazem parte da
elite brasileira. Enquanto isso, em 2006, dezenas de milhões de pessoas pobres foram atendidas pelos programas de assistência social do
governo federal com apenas
R$ 21 bilhões."
Como é possível diminuir
a desigualdade se 20 mil famílias recebem do governo
seis vezes mais do que o que
vai para as 12 milhões de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família?
Mais: na mesma página do
artigo de Marcelo Neri, saía
informação (do IBGE) mostrando que a renda média do
trabalho em 2009 ainda era
inferior à de 1996.
Alguém acredita que a renda do capital no período tenha caído, como caiu a do
trabalho, ou tenha ficado estagnada?
Sepultemos, pois, de vez a
lenda e usemos as palavras
certas: caiu a desigualdade
entre assalariados, mas não
caiu a obscena desigualdade
entre renda do trabalho e
renda do capital.
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