São Paulo, segunda-feira, 13 de junho de 2011 |
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MINHA HISTÓRIA TARSO DE SOUZA CRUZ, 57 Fuga da selva (...)Entoando gritos de guerra, os índios arrastaram o avião e amarraram a hélice com cipó (...) A comunicação era mínima (...) Eles só falam algumas palavras em português (...) RESUMO O piloto Tarso de Souza Cruz, 57, passou oito dias na reserva ianomâmi, no Amazonas, depois de ter o avião retido pelos índios. Na última terça-feira, ele conseguiu deixar a aldeia Watorik, na região do Demini, e fugiu para Boa Vista (RR). Casado e pai de três filhos, Cruz é piloto há mais de 30 anos e trabalha em terras ianomâmis desde 1984. (...) Depoimento a ANDREZZA TRAJANO COLABORAÇÃO PARA A FOLHA DE BOA VISTA (RR) Sobrevoei a pista e não vi nada anormal. Os índios geralmente ficam em malocas distantes e só vão ao posto de saúde atrás de remédios. Pousei e encostei o avião no lugar de sempre. Foi quando eles apareceram. Eram mais de 30 homens, pintados para a guerra, com arco, flecha, espingarda, borduna e facão. O chefe dos guerreiros [José Yanomami] se aproximou e disse: "Avião tá preso". E exigiu a chave. Não fiquei preocupado. Na semana anterior, haviam retido um outro avião por três dias [em Haxiú], mas depois liberaram, porque foi preciso remover um índio doente para Boa Vista. Só com a roupa do corpo, tirei a carga e uma bolsa com material de higiene, lençol e uma rede pequena que sempre carrego. GUERRA Entoando gritos de guerra, os índios arrastaram o avião e amarraram a hélice com cipó. A comunicação era mínima. Eles só falam algumas palavras em português e eu não entendo ianomâmi. Fiquei o tempo todo no posto da Funasa, próximo à pista. As duas enfermeiras disseram que o sequestro fora planejado na véspera, mas não avisaram porque os índios monitoravam o rádio. O líder Davi Kopenawa Yanomami e seu filho, Dario, que estavam na associação ianomâmi Hutukara, em Boa Vista, ordenaram a retenção do avião via rádio. Um índio que falava português se aproximou e disse para ficar tranquilo, porque não iam fazer nada comigo. Também prometeu comida. O problema é que eu e as enfermeiras não estávamos acostumados com a comida deles: beiju, açaí, mingau de banana, carne assada, tudo feito sem higiene. Uma enfermeira pediu que eles trouxessem caça para que cozinhasse. No outro dia, mandaram um pássaro. Numa carga destinada a outra tribo havia arroz, farinha e jabá. Foi o que comemos quase todos os dias. Eu esperava um pedido de remoção de paciente para forçá-los a liberar o avião. Sempre tem algum que quebra a perna ou índia com problema de parto. E eu tinha pressa, porque havia comprado passagem para Brasília, onde minha filha casou no dia 4. Perdi a cerimônia. Mas não tinha jeito. Eles deixaram uma índia e seu bebê recém-nascido morrerem sem permitir o socorro. O Davi e o Dario diziam que aquilo era a luta deles para manter no cargo a chefe do distrito sanitário ianômami e ye'kuana, de quem eles gostam muito. PLANO Passei a executar um plano de fuga. Convenci os guerreiros a mudarem a posição da aeronave, que foi amarrada de costas para a pista, e fiz com que se acostumassem a me ver perto do avião. Entrava e fingia que estava procurando papéis, mas ficava testando as chaves que tinha encontrado no quadro da enfermaria. Até que uma chave velha e enferrujada -que vou levar comigo para sempre- funcionou. O dia seguinte foi de tensão. Eles receberam ordens da Hutukara para interditar a pista com troncos de árvores. Decidi fugir na madrugada da última terça. Levantei às 4h. Removi os galhos, fui tateando, sem enxergar nada. Estava preocupado com a pressão do óleo, que poderia estourar a mangueira. Mas não tinha o que fazer. De repente veio um nevoeiro. Orei e decolei às 5h20, com uma lanterna na boca. Nem vi se tinha algum índio por perto. Foi o amanhecer mais lindo da minha vida. Texto Anterior: Internet é arma política para 71% dos jovens Próximo Texto: Líder nega ter mandado prender avião Índice | Comunicar Erros |
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