São Paulo, segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

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ANÁLISE

Chave para entender Prestes permanece em Moscou

WILLIAM WAACK
ESPECIAL PARA A FOLHA

Vinte anos atrás, o então presidente Boris Yeltsin atendia a um pedido pessoal do então presidente Fernando Collor de Melo e entregava alguns documentos sobre Luís Carlos Prestes.
Não eram muita coisa, mas estavam num acervo sobre o qual pouco se soube: o Arquivo Presidencial. Quem foi dirigente importante de algum partido comunista em algum lugar e época está ali.
Prestes também. Medvedev fez agora o mesmo favor a Lula, mas Moscou continua guardando muito mais coisa.
Quase tudo o que se conhece sobre a atuação do principal líder comunista brasileiro nos episódios de 1935 tem origem em outro arquivo guardado em Moscou, que corresponde ao período de existência do Komintern.
Quando pesquisei esse arquivo, entre 1991 e 1993, ajudado pelo filho caçula de Prestes, Yuri Ribeiro, notei que a pasta pessoal de Prestes (cada comunista brasileiro da época tem sua "pasta pessoal" guardada lá) estava praticamente vazia. Seu conteúdo, observamos, tinha sido transportado para o Arquivo Presidencial.
A fascinante massa de documentos permitiu esclarecer em minúcias alguns dos aspectos centrais da operação de Prestes no Brasil em 1935. Trouxe à luz novos personagens, esclareceu a participação de alguns já conhecidos e os exibiu em sua dimensão humana e destruiu os mitos, especialmente os de Prestes e Olga.
Há, porém, uma importante lacuna: o período em que o dirigente comunista brasileiro viveu na União Soviética entre 1931 e 1934. Para mim, a frase importante dos manuscritos publicados pela Folha está no final de um deles. É quando Prestes diz que nada do que propunha como linha de ação da ANL "deve diminuir nossa atividade quanto à execução dos planos anteriores".
Fica bastante claro a partir da documentação do Komintern que Prestes, com a aquiescência e participação dos dirigentes em Moscou, desenvolveu um plano, com o qual embarcou para o Brasil no final de 1934.
Uma das referências surgidas recentemente a esse plano apareceu na biografia de um dos participantes da fracassada tentativa de golpe conduzida por Prestes.
Trata-se de Johnny de Graaf (conhecido no Brasil como Gruber), que era, sabe-se agora, um triplo agente, trabalhando para alemães, soviéticos e britânicos.
Mas o período no qual Prestes fundiu seu destino ao do PC soviético continua obscuro. Assim como permanece sem fortes referências documentais o que vem depois, de 1946 ao golpe de 1964, e seu novo exílio em Moscou.
Prestes foi um mestre em redefinir seus papéis, deixando a culpa de fracassos sempre para subordinados. E habilidoso em criar o próprio mito. Permanece lá em Moscou, nos arquivos presidenciais, a chave para entendê-lo melhor.

WILLIAM WAACK, jornalista, é apresentador do "Jornal da Globo" e autor do livro "Camaradas", em que pesquisou os arquivos secretos da ex-União Soviética


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