São Paulo, quarta-feira, 14 de julho de 2010

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ELIO GASPARI

Os palacetes de uma elite mal assombrada


Os EUA tiveram seus grandes "barões ladrões", o capitalismo de Pindorama nem isso conseguiu


A PREFEITURA DO RIO de Janeiro pretende comprar o palacete que pertence à família Guinle de Paula Machado, na rua São Clemente (Botafogo). Os donos queriam R$ 15 milhões, mas deixariam por R$ 10 milhões. A cinco minutos dali, caindo aos pedaços, está o Hospital Rocha Maia. Por que a Viúva gastará semelhante ervanário para comprar uma exuberância sem saber o que vai fazer com ela? A casa, tombada pelo Iphan, está em bom estado, assim como seus mil metros quadrados de jardins. Se alguém estiver interessado, que faça uma oferta, deixem a Boa Senhora longe dessa.
No final do século 19 e nas primeiras décadas do 20 os endinheirados do Rio de Janeiro construíam palacetes em Botafogo, e os mais belos ficavam na São Clemente. Nessa mesma época os milionários americanos erguiam mansões na Quinta Avenida, em frente ao Central Park. Quem percorrer esses trajetos poderá admirar a grandeza do capitalismo americano e a desgraça da plutocracia brasileira bem relacionada.
Na Quinta Avenida sobrevivem as casas de Henry Frick; a Starr Miller, comprada por Ronald Lauder; a do banqueiro Felix Warburg; e a do magnata do aço, Andre Carnegie. Todas hospedam instituições culturais privadas. Frick deixou o palacete com centenas de obras primas. (Vermeer? Três. Rembrandt? Quatro.) Ninguém se lembra dele como o mandante, em 1892, de um massacre de operários grevistas, nem dos dois tiros que tomou no pescoço, disparados por um anarquista. Lauder criou a Neue Gallery, para a qual comprou o retrato de Adele Bloch-Bauer, de Gustav Klimt. Na casa de Warburg funciona o Museu Judaico. Mais adiante está o palácio de Carnegie, o maior entre os "barões ladrões", foi o homem mais rico dos Estados Unidos no início do século e provavelmente o maior filantropo de sua história. Nela há um centro de exposições de desenho.
Na rua São Clemente a história foi outra, os plutocratas construíram palacetes, regalaram-se e, quando as heranças encurtaram, penduraram-se quase todos na bolsa da Viúva. A de Rui Barbosa hospeda uma instituição exemplar. A mansão de um comerciante português, onde funcionou o Colégio Jacobina, tornou-se um Centro de Arquitetura e Urbanismo da prefeitura que vive na indigência. O palácio do embaixador inglês foi comprado pela prefeitura num negócio esquisito, no qual pagou pelos móveis quatro vezes mais do que o preço do imóvel. Em alguns casos, os prédios foram preservados por empresas, mas onde a Viúva pagou a conta, quase nada sobrou para a patuleia.
Noutro bairro, o filho do barão de Nova Friburgo, falido, vendeu à República o Palácio do Catete. Quem o visita e depois vai à casa de Carnegie pensa que o magnata americano era um avarento. O mesmo acontecerá ao paulista que visitar o Palácio dos Campos Elíseos, repassado à Boa Senhora pelos descendentes de Elias Pacheco Chaves.
Os Guinle foram uma das famílias mais ricas da República Velha. Fizeram dinheiro com indústrias, obras e concessões de serviços públicos. Lá atrás, tiveram o equivalente a R$ 2 bilhões. Enquanto ganharam mais do que gastavam, souberam distribuir sua fortuna. Se o prefeito Eduardo Paes não tem o que fazer com R$ 10 milhões, faça como o patriarca Guilherme Guinle (1882-1960): proteja os hospitais do Rio de Janeiro.


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