São Paulo, domingo, 17 de abril de 2011

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ENTREVISTA JOÃO PEDRO STEDILE

Turma do agronegócio só pensa na conta bancária

LÍDER DO MST DIZ QUE RURALISTAS QUEREM LUCRAR "MAMANDO NAS TETAS DO ESTADO" E DESCARTA ENFRAQUECIMENTO DO MOVIMENTO

Marlene Bergamo/Folhapress
João Pedro Stedile, um dos coordenadores do MST, em São Paulo

ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO

Há exatos 15 anos ocorria o massacre de Eldorado do Carajás. Dezenove integrantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) foram mortos pela polícia do Pará durante uma manifestação contra os atrasos na reforma agrária.
Nesta entrevista, João Pedro Stedile, um dos coordenadores do MST, relembra o episódio, nega enfraquecimento do grupo e ataca ruralistas e a mídia. Para ele, a redução no número de famílias acampadas é resultado da lentidão da reforma, não do Bolsa Família.
"Nossa burguesia agrária é lúmpen. Quer ganhar dinheiro sempre mamando nas tetas do Estado."

 

Folha - O que mudou depois do massacre de Eldorado do Carajás?
João Pedro Stedile -
O padrão de violência física no campo diminuiu. Não há mais tantos assassinatos, mas o número cresceu no ano passado. Infelizmente, nenhum dos culpados do massacre foi punido.

O MST está decadente?
A grande imprensa e os latifundiários é que gostariam que o movimento estivesse.
Nos governos de FHC e Lula, mantivemos a mesma média anual de 280 ocupações por ano. O MST continua forte. O que pode mudar são as formas de luta.

O Bolsa Família e a ascensão social de parte da população pobre esvaziam o MST?
Não. Existem no Brasil ao redor de 4 milhões de famílias de trabalhadores na agricultura, que são pobres e não têm terra. Nossa obrigação é organizá-los para que lutem.
Na região Nordeste, onde há mais Bolsa Família, é onde o MST tem mais acampados. O que diminuiu o número de famílias acampadas é a lentidão do governo em realizar a reforma agrária.
Se as pessoas não veem expectativa de sair logo a terra, têm mais dificuldade de ir acampar. No entanto, continuam querendo a terra.

Qual sua expectativa em relação ao governo Dilma?
Acreditamos que o governo Dilma pode melhorar em alguns aspectos, até porque pior do que está seria difícil. Pior seria apenas com [José] Serra [candidato derrotado à Presidência em 2010].
No campo, para tirar os milhões da pobreza, precisa distribuir terras e organizar programas de universalização da educação, de desenvolvimento dos assentamentos com agroindústria, crédito e reflorestamento.

Qual é a força do MST e dos ruralistas neste governo?
Os latifundiários e o agronegócio foram muito hábeis politicamente. Eles apoiaram Serra, mas se dedicaram a eleger parlamentares e a garantir o ministro da Agricultura [Wagner Rossi (PMDB)].
Nossa burguesia agrária é lúmpen. Quer ganhar dinheiro sempre mamando nas tetas do Estado, com financiamentos, com multas não pagas, desrespeito da lei ambiental e outras benesses.
Mas agora, no governo Dilma, há uma correlação de forças mais pendente para o campo popular.

Muitos dizem que a produção agrícola cairia se fosse feita a reforma agrária. Como o sr. rebate isso?
A visão dos capitalistas e grandes proprietários é a de que a produção agrícola é apenas para gerar lucros. Não se preocupam com distribuição de renda, de terra, com produção de alimentos saudáveis. Nem com o futuro do país. Para seus objetivos, a agricultura está indo bem.
No entanto, a agricultura deve ser vista como um bem da natureza a serviço da sociedade para produzir em equilíbrio com o ambiente.
Precisamos pensar uma nova política agrária, que garanta terra aos que quiserem ficar no campo e condições de produção, priorizando o mercado interno.

Há espaço para uma reforma agrária no Brasil urbano de hoje?
A reforma agrária clássica, de apenas distribuir terra, feita pelas burguesias industriais em quase todos os países desenvolvidos, não pode ser feita no Brasil.
A burguesia não quis e priorizou um modelo dependente do exterior, em vez de baseado no mercado interno. Quando [João] Goulart quis fazer, foi derrubado.
Defendemos uma reforma agrária de novo tipo, que combine acesso a terra, com implantação de agroindústrias, com universalização da escola e técnicas agrícolas.
A turma do agronegócio só pensa na sua conta bancária. O modelo deles é o do capitalismo americano, sem gente e sem floresta. Lá a população carcerária é maior do que a população rural.

O MST não depende do financiamento do governo? O PT enquadrou os movimentos sociais?
O governo FHC acabou com os serviços públicos agrícolas, terceirizou as ONGs e empresas, na assistência técnica, na construção de casas, nas escolas. Portanto, os assentamentos do MST, para acessar recursos públicos, tiveram que fundar ONGs para ter direito a casa e assistência técnica.
A direita e sua imprensa marrom ficaram repetindo que o MST vive de recursos públicos. Defendemos que os serviços públicos agrícolas devem ser uma tarefa do Estado. Essa cantilena é apenas uma tática de propaganda dos grandes proprietários e seus servidores na imprensa, que são contra os trabalhadores e querem criminalizar e desmoralizar o MST.

O MST não perdeu apoio em razão de invasões violentas, destruição de patrimônio?
O MST não perdeu apoio. Ele vem dos pobres, dos trabalhadores da cidade.
A classe média é volúvel e influenciada pela imprensa, que mudou. Antes era mais informativa. Nos últimos anos, assumiu a defesa da propriedade da terra e dos interesses mais conservadores.
Até porque a maioria dos donos de jornais e televisão também são grandes proprietários de terra ou têm no agronegócio seus principais anunciantes.
Imagine quantos telefonemas a Coca-Cola e a Cutrale precisaram dar para a Rede Globo se insurgir daquela maneira contra nós. A terra invadida pela Cutrale é pública, registrada em cartório como sendo da União. A Cutrale é a grileira, mas quiseram nos mostrar como vilões.

Então não há violência?
O MST é contra o uso da violência. Nós exercitamos pressão social. Acontece que a burguesia considera violência quando ocupamos uma terra improdutiva ou grilada. Quando ocupamos um prédio público, que não está a serviço do povo.
Mas quando a [senadora do DEM] Kátia Abreu grila uma área pública no Tocantins, expulsa posseiros, aí omitem e ignoram. Ninguém da imprensa burguesa deu. Ela expulsar agricultores não é violência?

Qual é o argumento para convencer as pessoas a invadir?
Há diferença entre invadir e ocupar. Os trabalhadores ocupam áreas improdutivas para pressionar o governo a aplicar a lei da reforma agrária. Por isso não é crime. É um direito. E o fazem por absoluta necessidade. Não houve, em 25 anos de MST, nenhuma fazenda colocada na reforma agrária sem que os trabalhadores tivessem ocupado. Se o governo acelerasse a reforma agrária, não precisaria ocupar.
Já invadir é o que fazem os fazendeiros, quando se apropriam de áreas públicas para ter lucro, benefício pessoal, apenas para enriquecer.

Por que a concentração de terras é grande no Brasil?
A concentração de terra cresce e é maior do que em 1920. Cada vez que aumenta o lucro na agricultura, aumentam os preços da terra e aumenta a concentração. É a lei do capitalismo.
A Constituição determina que, em nome da sociedade, deveríamos distribuir a propriedade da terra e subordiná-la a uma função social. Mas os governantes dos três Poderes sempre foram promíscuos com os grandes proprietários de terra e nunca tiveram coragem e poder suficientes para colocar em prática a Constituição.

Qual sua opinião sobre o projeto de novo Código Florestal, em tramitação no Congresso? O agronegócio está usando o projeto do Aldo Rebelo para alcançar dois objetivos.
O primeiro é não pagar R$ 8 bilhões em multas que o Ibama aplicou por crimes ambientais. O segundo, liberar as áreas de fronteira agrícola da Amazônia e do Cerrado para o capital internacional se apoderar. Nós defendemos a manutenção do código. Se passar o projeto, a sociedade brasileira pagará um alto preço para aumentar o lucro de meia dúzia de fazendeiros.

FOLHA.com
Íntegra da entrevista
folha.com.br/po903566


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