São Paulo, domingo, 19 de junho de 2011

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JANIO DE FREITAS

O lado sigiloso


Não seriam as obras da Copa e da Olimpíada que escapariam ao cartel tão presente nos governos


A PRÓPRIA PRESIDENTE da República sai em defesa do sigilo -com argumento inválido. Do alto de seu compromisso com a transparência, diz que fazer segredo dos gastos bilionários com a Copa e a Olimpíada é "para evitar a formação de cartel". Sendo pouco, o cuidado com o dinheiro público obterá ainda, com o segredo e seus complementos, "preços melhores" para as obras.
Que ministros, líderes na Câmara e no Senado e outros exemplares políticos andassem por dizeres semelhantes, nada novo. De nenhum se ouvira comprometimento pessoal com a transparência, e o provável é que não se esperasse mesmo. Se todos os dias estoura escândalo em um ministério, com o passar de tantos anos é natural que se acabe entendendo para que e a quem servem, aqui, os chamados poderes públicos.
O sigilo dos elementos da licitação, dos preços e dos custos subsequentes não pode impedir o cartel por dois motivos. Um é que o cartel das empreiteiras de grandes obras públicas já existe há muito tempo. Vem ao menos lá da ditadura, da década de 70, quando a Transamazônica e outras obras do tempo Médici-Andreazza foram cartelizadas.
Se dera os passos iniciais no governo Juscelino, o cartel consolidou-se na ditadura e nunca mais se desfez. Domina a definição de prioridades governamentais em obras de grande porte, domina o Orçamento da União na origem ministerial ou nas emendas parlamentares, domina decisões licitatórias.
O poder e a riqueza desse cartel, e, portanto, de seus componentes, ficou tão grande, que se tornou desproporcional às suas possibilidades e ambições. Suas partes extravasaram para outras atividades, como telefonia, mineração, siderurgia, petróleo, exportação, armamentos, agora tv a cabo, e muito mais. Tudo que possa ser fruto lucrativo de concessões públicas, licenças governamentais e isenção de impostos.
Não seriam estádios, elevados, avenidas e metrôs, e demais projetos pretextados pela Copa e pela Olimpíada, que escapariam ao cartel tão presente no interior dos governos quanto os próprios governos. E até mais, em determinadas áreas governamentais. Do mesmo modo nas instâncias federal, estadual e municipal. É uma das faces do Brasil desconhecido. Sigiloso, digamos.
O outro impedimento a negar o sigilo como fator "para evitar a formação de cartel" é de ordem operacional. O alegado é que as empreiteiras, sem conhecer a estimativa de gasto adotada pelo governo para cada obra, não podem fazer combinação de preços, própria dos cartéis.
Mas a cartelização pode ser feita da mesma maneira, para divisão das obras entre as empreiteiras e as respectivas propostas de preço. Ao governo restará constatar que os preços ficaram acima ou abaixo de sua estimativa e, no primeiro caso, ceder, negociar ou refazer o processo seletivo. E ainda há, para maior facilitação ao cartel, as possibilidades abertas pela medida provisória com o tal Regime Diferenciado de Contratações Públicas: um drible na exigência de licitação para contratações de determinados serviços e obras.
Convém registrar que a vocação do novo sigilo e seus complementos foi reforçada por alterações feitas (e aprovadas) na Câmara pelo deputado petista José Guimarães. Aquele de cuja existência se teve conhecimento fora do Ceará quando, em São Paulo, seu então assessor principal na Assembleia estadual embarcava de volta a Fortaleza com súbita e mal distribuída obesidade: US$ 200 mil na cueca e mais ou menos outro tanto de reais em outras partes. Nada a ver ainda com o enriquecimento da medida provisória.
A Associação Nacional dos Procuradores da República e o procurador-geral, Roberto Gurgel, já sabem o que vão fazer, em companhia da OAB, nas ocasiões apropriadas.


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