São Paulo, domingo, 19 de setembro de 2010

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FERNANDA TORRES

Folhetim


Dificilmente o destino da eleição será revertido; na ficção, o público não gosta de inverter papéis já definidos


QUANDO AYRTON Senna morreu, Alain Prost veio ao Brasil carregar o caixão do seu mais aguerrido oponente. Em entrevista, o campeão francês de Formula 1 declarou que, sem Ayrton Senna, não teria sido a metade do corredor que foi.
A aprovação do Lula é tão grande, sua capacidade de eleger Dilma Rousseff tão acachapante, a presença do PT no Congresso promete ser tão avassaladora, que resta a pergunta: quem será o Ayrton Senna do PT nos próximos 12 anos? Se é que vai existir algum.
Aécio Neves e Eduardo Campos apontam como opções de pedigree. Campos acredita que a oposição não tenha encontrado um discurso que faça sentido para a população. Ele tem razão.
Até agora, todas as suspeitas ligadas à ética na política, aos arapongas do sigilo fiscal e aos lobbies de gabinete, se mostraram, temo a palavra, elitistas.
A esperança dos concorrentes é que a suposta "taxa êxito" do filho de Erenice e seu afastamento da Casa Civil rendam algo mais do que manchetes de jornal.
Por enquanto, nada foi capaz de se equiparar ao argumento de Lula na TV, bem iluminado, lindo de morrer posicionado à frente de um gabinete inglês de leitura, afirmando que mais de 20 milhões de pessoas saíram da linha da miséria no seu governo.
O individualismo partidário do PSDB, a falta de carisma do DEM e o receio de que um poder tão absoluto se concentre nas mãos de um só partido empurraram grande parte da imprensa para o papel da oposição.
Os escândalos dessa semana saíram das Redações.
Coincidentemente, Dirceu deu a entender em uma palestra privada que é preciso encontrar maneiras de se defender da impunidade caluniosa do jornalismo, contra a qual, segundo ele, não há defesa.
O ex-ministro deu nome ao seu principal adversário; aquele que, como Senna para Prost, fará o PT ir além dele mesmo. Se vencer mais essa crise, assim como aconteceu no mensalão, sairá intocável dessas eleições.
É fascinante a maneira como o partido reage de forma proativa à qualquer acusação. Dilma elogiou a decisão de Erenice de se afastar do cargo para facilitar as apurações, deu nobreza ao gesto da companheira.
Diante de uma suspeita, o governo manda 20 outras de volta e ainda promete abrir processos e extirpar descontentes.
Jamais abandona a posição do herói.
Lula conseguiu um feito extraordinário: a aprovação das duas pontas da pirâmide social: as classes C e D e o topo dos grandes empresários. Seu maior nível de rejeição se encontra na faixa do meio, a pequena e alta burguesia, ou classe média.
Falar mal do PT é assumir o incômodo lugar da elite burguesa. Uma atitude suicida. É tomar para si a posição do vilão.
Dificilmente o destino desta eleição será revertido. As próximas pesquisas serão o tudo ou nada desse folhetim.
Na ficção, pelo menos, o público não gosta de inverter os papéis já estabelecidos.

FERNANDA TORRES é atriz


AMANHÃ EM ELEIÇÕES:
Vladimir Safatle




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