São Paulo, sexta-feira, 20 de agosto de 2010

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CNJ cancela 5,5 mil registros de terra irregulares no Pará

Decisão marca o início do fim da grilagem no Estado, afirma procurador

Medida transfere para o dono da terra o ônus da prova de que seu título é legal; cartórios têm 30 dias para anular papeis


FELIPE SELIGMAN
CLAUDIO ANGELO
DE BRASÍLIA

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) determinou o cancelamento de 5,5 mil registros de terra do Estado do Pará considerados irregulares.
A maior parte dos papéis é possivelmente fruto de grilagem, nome dado à apropriação ilegal de terras públicas.
Somados, os títulos equivalem a quase um Pará a mais. Ou seja, é como se a área real do Estado fosse uma, e sua área titulada fosse quase duas vezes maior.
O corregedor do CNJ, Gilson Dipp, autor da decisão publicada ontem, disse que o tamanho das terras não pode ser superior ao previsto pela Constituição vigente no momento em que as propriedades foram registradas. A Constituição veda a cessão a particulares de grandes extensões de terras públicas sem autorização do Senado.
Por isso o CNJ cancelou todos os imóveis com área superior a 10 mil hectares registrados de 1934 até 1964; com mais de 3.000 hectares registradas de 1964 até 1988; e com mais de 2.500 hectares a partir de 5 de outubro de 88. Esses eram os limites de área que podiam ser transferidos do Estado a particulares sem autorização do Senado pelas Cartas Magnas de 1934, 1964 e 1988, respectivamente.
Os registros irregulares vinham sendo investigados desde 2007 por uma comissão formada pelo Iterpa (Instituto de Terras do Estado do Pará), pelo Incra e pelo Ministério Público Federal, entre outras instituições.
Esse trabalho abriu uma janela para o tamanho do problema da grilagem no Pará. Descobriu-se, por exemplo, que uma única fazenda registrada em Altamira tinha 410 milhões de hectares -metade do Brasil. Esse título foi cancelado já em 2009.
Descobriu-se também que um único fazendeiro, Carlos Mendes (que não existe), tinha 167 títulos irregulares, com 1,8 milhão de hectares, ou três Distritos Federais. E que o município de Moju tinha tituladas terras equivalentes a 14 vezes sua área.

CANCELAMENTO
Em 2009, a comissão solicitou à Corregedoria do Tribunal de Justiça do Pará o cancelamento de mais de 6.000 títulos. O TJ negou. A comissão recorreu, e o CNJ ordenou o cancelamento.
"Hoje é o início do fim da grilagem no Pará", disse o procurador Felício Pontes. O Ministério Público vai agora apurar a responsabilidade criminal dos proprietários: "Suspeitamos que tenham recebido financiamento de bancos públicos", disse ele.
Segundo Girolamo Treccani, diretor do Iterpa, a decisão do CNJ é histórica: primeiro, ela transfere ao proprietário o ônus da prova de que seu título é regular: "Ele vai ter de mostrar ao cartório que adquiriu as terras do rei de Portugal ou de qualquer que seja o agente público".
A decisão facilita o combate à grilagem porque permite cancelar títulos irregulares por decisão administrativa; até agora, isso só podia ser feito por ação judicial.
A decisão não veda as propriedades grandes no Pará, desde que elas tenham sido formadas por áreas adquiridas regularmente. Os cartórios terão 30 dias para cancelar os títulos. Os donos das terras podem recorrer.
"A grilagem de terra no Pará é conhecida de todos. O sul do Estado tem a maior quantidade de grilagem. Coincidentemente, tem os maiores índices de desmatamento e de homicídios", disse Dipp.


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