São Paulo, quinta-feira, 21 de julho de 2011

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JANIO DE FREITAS

A prática do impossível


A sucessão de demissões mostra que a conveniência de ser aliado do governo é maior do que o rompimento


O EXPURGO NA área governamental de Transportes não é um fato a mais como administração pública nem como ação presidencial na relação com as forças partidárias e do Congresso. É um fato com antecedentes, mas sem precedente. E, mais ainda, é a demonstração de uma possibilidade sempre negada pelos mandatários e lideranças políticas, com firmeza tão maior quanto mais se tem exposto, nas últimas décadas, a epidemia de corrupção nos poderes públicos.
Já se foram 15 ocupantes de posto-chave nos Transportes. Não se sabe quantos deveriam ir, para oxigenar o setor. Não importa. Os expurgados são todos detentores de influência em determinados setores com expressão política ou úteis representantes de ramal político.
O PR, por sua vez, recebeu os Transportes como área sua, no governo Lula, e a manteve ainda por ter na Câmara e no Senado votos importantes para a "base aliada". Daí as ameaças do PR à Presidência, quando nos seus domínios os primeiros pescoços pareceram ameaçados. Daí a certeza audaciosa de Luiz Antonio Pagot e de protetores seus no Congresso.
A ameaça pressentida e a reação política eram partes da mesma norma com vida longa por aqui. E destinada à mesma forma de dissolução do confronto. Forma bem conhecida: sob o argumento de que o governo não poderia dispensar os votos do partido ou da corrente ameaçante, a substituição do ministro é vista como suficiente, logo seguida de numerosas concessões para aplacar resíduos de insatisfação. As engrenagens pessoais de cada modalidade de corrupção preservavam-se do aparente saneamento.
Para ficar nos anos mais recentes, vimos muitas dessas operações nos governos de Fernando Henrique e de Lula. Uma como cópia da outra, todas com a mesma explicação e o mesmo resultado -este que se desvenda agora no Ministério dos Transportes.
A atual sucessão de demissões é o enfrentamento à norma consagrada pela prática. É a demonstração de que a Presidência não precisa ser uma instância institucional submetida às ambições abjetas de correntes políticas, e aberta, com seus cofres idem, à invasão de interesses opostos ao interesse público. É ainda a demonstração de que, para os partidos, a conveniência de figurar como aliado do governo é maior do que o rompimento, o que foi negado por tanto tempo. Aí está: o PR perdeu e fica.
Quebra ainda maior da norma, a nomeação do novo ministro dos Transportes contrariou não só o PR, mas também a resistência do PMDB e a irritação mal dissimulada do PT. Não foi fácil e não está a salvo de reações, mas faz prevalecer a deliberação da Presidência a respeito do seu governo. Como deveria ter sido sempre, mas as fraquezas não estiveram só no Congresso.

CRIMINAL
A Editora do Senado tem posição única na edição brasileira. Já vasto, seu catálogo é feito de obras de grande importância para o conhecimento da história política e cultural do Brasil, com preciosidades pouco conhecidas e autores já pouco lembrados. São, em geral, livros essenciais à formação de historiadores, sociólogos, intelectuais de melhor erudição. E livros, muitos deles, não encontrados, antes, mesmo em bibliotecas universitárias.
A reforma administrativa esboçada por uma subcomissão no Senado ameaça a editora. É forte a propensão para transformá-la em editora de obras dos próprios senadores. Teríamos, é fácil antever, um catálogo continuado com livros de quadrinhas e sonetos, artiguetes escritos por assessores para assinatura senatorial e, sem dúvida, farta produção de publicações com fins eleitorais. A reforma quer cometer um crime cultural.


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