São Paulo, segunda-feira, 23 de maio de 2011

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"Reclame" oferece emprego para redator

A NUMERALHA DE QUE SE ATULHAM OS BOLETINS COMERCIAIS NÃO É MATÉRIA DE JORNALISMO, MAS DE CALCULADORAS ELÉTRICAS

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Deseja o leitor abraçar a carreira jornalística? Pois busque, nas páginas desta edição das "Folhas", o "reclame" tentador. Recebem-se inscrições para o "Concurso de Redatores" até dia 5 de dezembro. Pede-se ao candidato que decline, numa página manuscrita, o campo de interesses de sua afinidade.
Esportes, quem sabe? Não recomendo. Pouco o Brasil tem a oferecer de notável nessa área. Sem surpresa, registramos o malogro das cores verde-amarelas em Melbourne. Já se despovoa a cidade-sede da Olimpíada, e, exceção feita ao glorioso Adhemar Ferreira da Silva, ouro no salto triplo, medalha nenhuma conquistamos. As esperanças que tínhamos no cestobol ontem mesmo a Bulgária dizimou-as.
Perguntará o aspirante a jornalista: e o futebol? Não se dedicam páginas e páginas nos diários aos feitos de Luisinho e de Jair? A seção esportiva não reservaria, tal como o gramado do Pacaembu, caminho largo para as evoluções de um novo "crack"?
Sem me fazer dono de nenhuma bola de cristal (a de couro não é meu forte tampouco), responderia que não. Como toda paixão que não é correspondida, a do brasileiro pelo futebol há de arrefecer-se no futuro.
Nossa maior oportunidade de empolgar a Taça Jules Rimet, perdemo-la -em 1950. Da França, em 38, voltamos com o terceiro lugar. E que futebolistas, nos dias que correm, são páreo para os Leônidas, os Domingos da Guia daqueles tempos?
De mais a mais, o progresso da indústria e da lavoura logo haverá de destituir o futebol das atenções gerais. Avenidas asfaltadas rasgarão as várzeas onde, hoje, a meninada maltrapilha gazeteia a escola para correr atrás de uma bola de meia; e quem sabe, daqui a alguns anos, ocorra com o Brasil o que sucede a todo homem feito: lembrar-se-á do futebol como de um brinquedo da infância, largado por fim em prol dos afazeres da idade adulta.
Deveria o aspirante a jornalista entregar-se então às páginas financeiras? Ao registro dos embarques e desembarques no porto de Santos, dos altos e baixos da Bolsa de Chicago? Quererá assinalar, porventura, a importância do soja no futuro da nutrição humana?
Não o acompanharei nessa lida. A numeralha de que se atulham os boletins comerciais, para dali sobrevasar até os discursos do presidente Kubitschek, não é matéria de jornalismo, mas de calculadoras elétricas. Bem cedo os repórteres desse setor serão substituídos por teletipos automáticos, não lhes cabendo mais que o encargo da "mise en page".
A política? Que o candidato a jornalista apanhe uma edição das "Folhas" de há 30 anos. É reproduzi-la, substituindo os nomes, e estará feita a reportagem. Deputados federais tiram proveito do câmbio oficial para importar automóveis de luxo lê-se a notícia em 1956, terá sido a mesma em 1926... Os Bugattis, os Isotta-Fraschinis de ontem transmudam-se nos Packards e nos Cadillacs de hoje. O que, aliás, não foi melhoramento de monta.
Que eu me faça cronista, então!, reage o moço. Cronista? Mas a crônica, meu rapaz, está morta, e estas linhas, um morto as escreveu.



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