São Paulo, quinta-feira, 23 de setembro de 2010

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Vermelhos contra Lula

Em debate, presidenciáveis de esquerda são cordiais entre si, mas não poupam munição contra Dilma e o presidente

BERNARDO MELLO FRANCO
DE SÃO PAULO

Os três candidatos à Presidência já estavam sentados lado a lado, à espera da primeira pergunta, quando um homem de jeans e camiseta anunciou que a Liga Bolchevique Internacionalista tinha uma questão de ordem:
"Defendemos o boicote às eleições presidenciais. Queremos debater essa posição com os presidenciáveis".
Os convidados fizeram cara de paisagem. Após um instante de silêncio, o mediador pediu a compreensão do "companheiro", que voltou à sua cadeira sem reclamar.
Foi a única nota fora do script no debate dos candidatos nanicos de esquerda, promovido anteontem à noite pelo jornal "Brasil de Fato".
Participaram Ivan Pinheiro (PCB), Zé Maria (PSTU) e Rui Costa Pimenta (PCO), todos abaixo de 1% nas pesquisas. Com lugar garantido nos debates da TV, Plínio de Arruda Sampaio (PSOL) fez forfait e virou alvo dos colegas.
"É uma ausência desrespeitosa", esbravejou Pinheiro, acusando o rival de se reunir com empresários no mesmo dia. "Esperamos que ocorra uma autocrítica."

CAMARADAGEM
O encontro durou quase duas horas, em clima de cordialidade absoluta.
Por acordo entre os partidos, eles não puderam fazer perguntas entre si, o que transformou o debate num monocórdio revezamento de ataques à imprensa, à Justiça Eleitoral, aos bancos e, principalmente, ao governo Lula.
"Este é um governo antipopular e reacionário", afirmou Pimenta, que militou no PT até 1992. "O Lula roubou a base do DEM, os latifundiários. É uma coisa espantosa."
"Quem vai sentir saudade do Lula é a burguesia. Ela não tinha ninguém melhor para atuar como bombeiro da luta de classes", emendou Pinheiro, do Partidão.
Zé Maria, cuja legenda também descende do PT, condenou as tropas ao Haiti -segundo ele, prova de submissão ao imperialismo americano. "É uma vergonha para o nosso país", sentenciou.
Os debatedores não se curvaram aos trunfos da gestão petista. Contrário ao Bolsa Família, o candidato do PCO declarou que o programa foi idealizado pelas "instituições financeiras imperialistas que saquearam o Brasil", numa trama para "conter a explosão social".
O representante do PSTU disse duvidar dos índices que apontam redução da desigualdade social: "O cenário que vemos é diferente, e a perspectiva para os trabalhadores é cada vez pior."
À medida que o evento se aproximava do fim, a mira se deslocou de Lula para a sua candidata. Os três deixaram claro que, mesmo desunidos, farão oposição em caso de vitória de Dilma Rousseff (PT).
"O comando da campanha dela já está traçando uma nova Reforma da Previdência. Precisamos nos preparar", conclamou Zé Maria.
"O governo da dona Dilma tem uma missão clara. Vem aí um conjunto de medidas muito duras contra os trabalhadores", alertou Pimenta. "Quero denunciar que uma delas, já em marcha, é a privatização dos Correios."
Pinheiro criticou os "companheiros que estão fazendo o voto útil na Dilma", mas admitiu ter poucas chances de ser ouvido: "O três de outubro já acabou".
Apesar do pessimismo com as urnas, os presidenciáveis se disseram a postos para uma "nova etapa de luta". "A burguesia fará uma nova ofensiva contra os trabalhadores imediatamente após as eleições", alertou o candidato do PCO.
O concorrente do PCB contou que sonha com uma nova onda de greves, semelhante à iniciada em 1979. Desta vez não citou Lula, que comandou o movimento no ABC.

PERPLEXIDADE
Entediados com o clima morno, militantes que acompanhavam o debate pela internet preferiram usar o chat do "Brasil de Fato" para debater a demissão de funcionários públicos em Cuba.
O assunto, que causa polêmica na esquerda, foi ignorado pelos presidenciáveis.
Na saída, Pimenta admitiu que a falta de contraditório pode ter confundido quem esperava usar o encontro para descobrir diferenças entre os candidatos.
"Vai ficar uma surpresa, uma perplexidade, porque os nossos partidos não estão unidos", disse. "Mas isso é natural. Nossa preocupação não era colocar as divergências em evidência".
"O formato do debate acabou não permitindo confrontações", concordou Pinheiro. "Mas o fato de termos dito coisas que o povo não consegue ouvir já é uma vitória".
Segundo o PCO, o pico de audiência na internet foi de 2.500 acessos simultâneos.


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