São Paulo, terça-feira, 23 de novembro de 2010

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JANIO DE FREITAS

Crimes de lá e de cá


A conveniência da relação com o Irã não implica a abdicação, pelo Brasil, de seus princípios morais

A ABSTENÇÃO DO Brasil diante de uma resolução contrária ao desrespeito a direitos humanos no Irã, conforme proposta do Canadá no Comitê de Direitos Humanos da Assembleia da ONU, expressa muita confusão no governo brasileiro entre princípios nacionais, estratégia e política.
Para ficar em um só caso relativo a direitos no Irã, a sentença de morte por apedrejamento é absolutamente contrária aos princípios inscritos na Constituição brasileira. Logo, não pode ser senão condenada pelo Brasil em todos os foros. Não apenas porque sentença de morte, já repelida pela Constituição. Ninguém parece ter notado que a morte por apedrejamento é tortura até a morte. Pelos princípios brasileiros, crime hediondo. Se está inscrito em legislação estrangeira ou é praticado à margem de lei, não lhe muda a natureza e a hediondez.
A conveniência estratégica de boas relações com o Irã não implica a abdicação, pelo Brasil, dos seus princípios morais e constitucionais. A menos que o Irã não veja as boas relações por ótica de sua estratégia internacional, mas tão só de conveniência circunstancial. A ser assim, a estratégia brasileira, em relação ao Irã, estaria vagando no espaço, solitária.
É certo que o chamado bloco ocidental pratica políticas destinadas a minar o Irã. Pode ser verdade, também, como disse o líder iraniano Ahmadinejad na quinta-feira passada, que tais políticas não têm base moral porque, só nos Estados Unidos, há "pelo menos 50 mulheres condenadas à pena capital". Se o Brasil não tem motivos para não se incorporar ao jogo do bloco ocidental, e pretende resguardar sua estratégia em relação ao Irã, o seu instrumento não é abster-se. É agir. É trabalhar politicamente para que as partes opostas tenham maior correção em seus métodos externos e internos, e aliviem a tensão que produzem.
Confundir princípios, estratégia e política não serve a nenhum desses três fatores nacionais.

NOVA ONDA
A série de ataques desfechada por bandidos no Rio é a enésima, perdida já a conta dessas ondas. Mas, se não tem novidade por si mesma, tem por ao menos três motivos que aumentam a proporção da violência aplicada e da ameaça difundida.
Em arrastões ou isoladas, as novas investidas não são para roubar. Não são assaltos. O roubo é secundário, e nem sempre se dá. Objetos à mão, como se apenas para não perder a oportunidade fácil, e um ou outro carro, poucos no total. O objetivo é o incêndio dos carros, das vans de passageiros, dos ônibus.
Os assaltos convencionais continuam, é claro, mas em sua rotina já incorporada aos costumes brasileiros, não fazem parte da nova onda. Nesta há a novidade de um propósito de agressão pela agressão, de agressão à sociedade com o intuito muito nítido de que o incêndio dos carros seja visto apenas como isto mesmo: o ataque indiscriminado e sem a finalidade do proveito. Não faz diferença, nem maior sentido, se é resposta à ocupação policial de tal favela, se as mudanças de líderes mudam os gêneros de ação, ou lá o que seja. Essas possíveis motivações, invocadas com frequência, não seriam novas e são sempre esperadas.
Com o objetivo de roubar o carro ou os ocupantes, a seletividade dos assaltantes sempre se mostrou lógica, incidente sobre modelos mais novos e mais convenientes nas fugas. A indiscriminação da nova onda não poupa nem sequer os carros exaustos e maltrapilhos, os velhos Monzas, as kombis desarranjadas, sinais do primeiro lance na ascensão suburbana. O fuzil moderno em uma das mãos, na outra a garrafa com gasolina, e logo a ascensão posta em cinzas. Se a perversidade não aumentou, como parece; se é a mesma que subjuga as favelas, no mínimo estendeu seu alcance com a nova onda.


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