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STF vota em junho ação sobre quilombos
Para antropólogos, decisão pode colocar em risco títulos de posse de terra emitidos para mais de 11 mil famílias
Ação do DEM rejeita critério para identificar os remanescentes de quilombolas, hoje feita por autodeclaração
MARCELO LEITE
DE SÃO PAULO
O assunto explosivo da demarcação de remanescentes
de quilombos entrará na
pauta de julgamentos do Supremo Tribunal Federal na
primeira quinzena de junho.
A decisão pode pôr em risco até os 106 títulos já emitidos para 11.070 famílias com
base na Constituição de
1988, temem antropólogos
envolvidos no debate.
Essas famílias quilombolas obtiveram o reconhecimento da posse coletiva de
uma área de 9.553 km2 desde
1995, parte dela após desapropriação de terras particulares. A área equivale a um
Distrito Federal e meio, ou
menos de 1 km2 por família.
Apesar de envolver áreas
individuais muito menores
que os 17 mil km2 da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol,
espera-se uma polêmica similar à de dezembro de 2008,
quando o STF manteve a demarcação contínua daquela
área indígena.
O debate ficará restrito ao
STF, porque não está prevista audiência pública, como
nos casos de Raposa/Serra
do Sol e das cotas raciais. O
relator e atual presidente do
Supremo, ministro Cezar Peluso, decidiu não convocá-la.
Quilombos reconhecidos
recebem títulos de posse coletiva emitidos para a comunidade e não podem ser desmembrados nem vendidos. A
posse coletiva também vale
para terras indígenas homologadas, que integram o patrimônio da União.
Há cerca de mil outros processos sobre quilombos no
Incra. Uma centena já avançou para as fases de identificação, delimitação, reconhecimento e desapropriação
(no caso de terras privadas).
Os processos em andamento totalizam 21.244 famílias, que viriam a ser beneficiadas com 19.541 km2 de terra -quase um Sergipe. O quinhão de 0,9 km2 por unidade
familiar se mantém.
O decreto que regulamenta o processo de demarcação
de quilombos (n.º 4.887, de
2003) foi posto em questão
em 2004 por ação direta de
inconstitucionalidade do
PFL (hoje DEM), que também
luta contra as cotas raciais.
O partido alega que a desapropriação, por criar despesa, teria de ser regulamentada por lei, não decreto. O
DEM rejeita, ainda, o critério
da autodeclaração para identificar remanescentes.
Sua interpretação da
Constituição condiciona o reconhecimento à posse efetiva do território em 1988, época da promulgação da Carta.
A Advocacia-Geral da
União (AGU) e a Procuradoria-Geral da República (PGR)
defendem o decreto e a autodeclaração. Afirmam que
não é o único critério para reconhecer um quilombo.
A decisão final cabe ao poder público, apoiado em laudos antropológicos que atestem o vínculo com o território
e sua necessidade para garantir a reprodução física e
cultural do remanescente.
Para AGU e PGR, o decreto
questionado dá consequência à intenção dos constituintes e à Convenção 169 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) sobre Povos
Indígenas e Tribais, que tem
o Brasil como signatário. Não
teria cabimento a distinção
entre "remanescente" e "descendente" de quilombolas
proposta pela ação do DEM.
NOVOS QUILOMBOS
A questão tem relação direta com a dos "direitos originais" dos índios às terras tradicionalmente ocupadas e
"imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais
necessários a seu bem-estar e
as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo
seus usos, costumes e tradições", como prescreve o artigo 231 da Constituição.
Em ambos os casos a posse
da terra teria a finalidade de
garantir a sobrevivência da
comunidade e sua cultura.
Nos dois campos, ganharam destaque recente supostos casos de fraudes, o que,
aliado à iminência do julgamento, colocou antropólogos em pé de guerra.
"Um voto contrário [ao decreto] anulará, ou pode anular, todas as demarcações de
quilombos até agora", afirma
Carlos Caroso, presidente da
ABA (Associação Brasileira
de Antropologia).
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