São Paulo, domingo, 26 de junho de 2011

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JANIO DE FREITAS

O sigilo explode


O Brasil da ditadura quis fabricar armas, mantendo a imagem de país pacífico; muito sigilos vêm de então


ASSUNTO QUE veio para perdurar, por diferentes razões, o debate sobre o sigilo de documentos oficiais entra em nova fase com os impactos recebidos em três dias sucessivos da semana encerrada.
A começar do impacto problemático, que estende a palcos internacionais o questionamento do sigilo brasileiro, o uso pelo ditador Gaddafi de minas explosivas "made in Brazil" tem substância, e não pouca, para gerar embaraços sérios.
A ONU mantém uma comissão bastante ativa contra minas, seja para evitar seu fabrico, seja para localizá-las onde houve guerra e continuam vitimando civis. A ICBL, Campanha Internacional para Eliminação de Minas militares, com forte apoio internacional, cobra ao Brasil explicações sobre o achado na Líbia e uma definição brasileira a respeito do uso, ainda, dessas armas. O Human Rights Watch, a mais prestigiada entidade de defesa dos direitos humanos, difunde a identificação de minas brasileiras na Líbia.
Seriam minas fabricadas em fins dos anos 80. O que, nas atuais circunstâncias, não quer dizer muito. O tempo não encerra o assunto. Nem as minas deixam de ser a ponta que pode ser puxada de um sigilo.
O Brasil da ditadura militar quis incluir-se nos fabricantes e mercadores de armas, mas preservando a fisionomia de país pacífico. Alguns tratados internacionais, como o antiminas, e o fim da ditadura trouxeram contratempos ao projeto. Não o impediram, porém. Na área nuclear, por exemplo, as atividades militares continuaram, até hoje. Muito sigilos vêm de então.
Mangabeira Unger e Nelson Jobim, com formulação do primeiro, induziram em Lula a retomada, com proporções ampliadas, do projeto militar desde a produção, que tende para a exportação, à presença entre as forças bélicas expressivas. Com sigilos variados sob a invocação fácil e não necessariamente verdadeira da segurança nacional.
As entidades internacionais têm sido complacentes com o Brasil, cabendo o destaque, nesse relaxamento voluntário, para a Agência Internacional de Energia Atômica, da ONU. Mas também para a ICBL, a HRW e outras. Só que, nesses e em mais arquivos, há pendências que as minas, já identificadas também nas mutilações de crianças e civis africanos, vêm remexer.
Primeiro, sobre sua possível ou provável fabricação continuada e sigilosa, mesmo que para uso próprio do Exército. Além disso, como lembrança de outras produções e vendas proibidas por acordos internacionais, mas atribuídas ao Brasil. Mísseis de fragmentação lançados sobre Gaza, por exemplo, no último acirramento do confronto entre o Hamas e Israel, tiveram sua procedência atribuída ao Brasil. E feita sob sigilo.
Mais: o urânio das produções nucleares de Israel é dado como fornecido pelo Brasil, em sigilo, sendo parte de um projeto com participação também da África do Sul pré-Mandela. Os buracos vedados em Cachimbo contêm outros sigilos do projeto. Assim como as instalações de uma grande fábrica de papel falida no interior do Maranhão, a Cepalma, tomada ao grupo financeiro Tropical.
É o Brasil desconhecido dos brasileiros, mas não de todos no exterior. Onde as granadas na Líbia ameaçam tornar-se armas contra o sigilo brasileiro.
A pesquisa da Folha com a constatação de que a maioria dos senadores, 54 de vários partidos, é contrária ao sigilo eternizável, a isso preferindo a guarda entre 5 e 25 anos renováveis uma vez, é um aceno de respeito pelo direito do povo à história do seu país e pela cultura brasileira. Não há, com toda a certeza, nenhum sigilo atual que proteja alguma coisa respeitável e admirável. Nem haverá, na área oficial.
Houve ainda o impacto oferecido por Dilma Rousseff. O seu terceiro no mesmo assunto: retira-se da defesa ao sigilo eterno, que adotara de repente depois de exibir a decisão, contra os militares, de rejeitá-lo. Está dada, por isso, como indecisa, sinuosa, insegura.
A mim parece uma atitude diferente: há muito não vemos um presidente recuar de uma posição proclamada, quanto mais se doutrinária. Dilma Rousseff aceitou como errada a primeira mudança de sua posição e, apesar de já pública, retornou aos seus conceitos originais e coerentes. E ao seu compromisso. Ser capaz de recuar de uma posição, ainda mais para deixar a decisão com o Congresso, é uma atitude que falta muito onde quer que haja a dita democracia política.


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