São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2010

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JANIO DE FREITAS

Ficha suja com os deuses do Olimpo


Dono da única possibilidade de evitar que a eleição seja um vexame, o STF tornou-se ele próprio o grande vexame


A PIADA FEZ uma pequena reviravolta para tornar-se realidade: de onde mais se espera é que não sai mesmo. Portador da única possibilidade de evitar que esta eleição seja um grande vexame institucional, em que candidatos eleitos sejam "deseleitos" por terem ficha suja ou sujem com suas fichas os novos poderes políticos e administrativos, o Supremo Tribunal Federal tornou-se ele próprio o grande vexame institucional. O que nem ao menos exclui a possível ocorrência do outro, que resultaria no acúmulo de vexame do vexame.
O empate no STF a respeito da aplicação, ou não, da Lei de Ficha Limpa já neste ano foi uma hipótese muito viva e citada, nas últimas semanas. Professora de direito da UFRJ, Margarida Lacombe fez na GloboNews, diante do empate verificado, a pergunta necessária: os ministros do STF "não pensaram antes na solução?".
A discussão que se seguiu ao empate no STF, em clima de grêmio estudantil, responde que não. Mas, em certo sentido, foi um fecho adequado para o espetáculo. O Olimpo a que alguns ministros supõem pertencer, com uma presunção que não poupa sequer exibições de agressividade contra a simples conduta educada, cada vez cai em mais semelhanças repentinas com as cenas de discussões de arquibancada. Ver uma sessão do STF pode ser, e não raro é, mais desalentador do que ver uma sessão da Câmara, porque muito mais decepcionante. Ou, melhor, muito mais chocante.
É claro que essa generalização não faz justiça a ministros como Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Ellen Gracie, Celso de Mello e um ou outro mais. Formam, sem querer, uma espécie de conspiração para compensar, por exemplo, os acessos de ira sem causa que acometem Gilmar Mendes. Sufocado pela própria ira, em busca aflita de ar a cada palavra, gestos rasgados e mal se contendo na cadeira, desta vez Gilmar Mendes investiu contra a ideia de que a "iniciativa popular", como o projeto da Ficha Limpa, condiciona o STF. Em recuso do palanque: "Se a iniciativa popular tornasse inútil a nossa atividade, melhor fechar o STF", sentenciou. Mas ninguém ali, e não consta que alguém fora dali, sugeriu a obrigatoriedade do STF subordinar-se à "iniciativa popular".
O Olimpo atravessou o século passado como uma instância intocável pela imprensa. Nas Redações onde a proibição não era explícita, notícias e citações do STF e de ministros seus iam ao crivo da direção. Já não é assim, mas seria muito útil acabar de todo com a reserva olímpica, um privilégio antidemocrático que não expressa consideração respeitosa, mas ainda o temor criado na República Velha e extremado na ditadura de Getúlio.
Permanência tão mais incabível quanto a originalidade que temos diante de nós: o Supremo Tribunal Federal está salvo de seu embaraço por um "ficha-suja", o Joaquim Roriz cuja impugnação moralizante o mesmo STF julga - ou deveria ter julgado. Com a renúncia a sua candidatura ao governo do Distrito Federal, Roriz dispensou o STF de desembatucar-se diante da ficha limpa e da ficha suja.


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