São Paulo, segunda-feira, 27 de setembro de 2010

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ENTREVISTA EUGÊNIO BUCCI

Presidente não foi eleito para ser ombudsman de ninguém

EUGÊNIO BUCCI, PROFESSOR DA USP E EX-PRESIDENTE DA RADIOBRÁS, DIZ QUE ATAQUES DE LULA SÃO INACEITÁVEIS, MAS NÃO VÊ RISCOS À DEMOCRACIA

UIRÁ MACHADO
DE SÃO PAULO

O jornalista Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicação e Artes da USP e autor de livros como "A Imprensa e o Dever da Liberdade" (Contexto, 2009), considera inaceitáveis os reiterados ataques de Lula à mídia.
Bucci, porém, não vê nas manifestações do presidente ameaças à democracia. "A motivação é eleitoral", diz.
Ex-presidente da estatal Radiobrás (2003-2007), Bucci afirma que, quando a mídia é saudável, são naturais os atritos com o governo. O que não pode, diz ele, é o Estado querer ser o "árbitro da qualidade da imprensa".
Na entrevista a seguir, concedida na última sexta-feira, Bucci ainda questiona aqueles que, "dos dois lados", invocam o termo "golpismo" nesse debate: "Em que democracia essas pessoas acham que estamos?".

 

Folha - A liberdade, em geral, é vista como um direito, mas seu último livro a trata como dever. Por que a inversão?
Eugênio Bucci
- A liberdade de imprensa é um direito da sociedade, e o jornalista tem o dever de exercê-la. Se não o fizer, o jornalista sonega um direito à sociedade.
Um dos lados desse exercício é não se deixar capturar por agendas de quem quer seja: poder econômico, partidos, governo, corporações.
Exercer a liberdade significa também ir até onde é lícito ir para obter a informação que o cidadão tem o direito de receber. Ao fazê-lo, o jornalista expande a própria percepção que a sociedade tem a respeito desse direito. Exercer a liberdade é tornar a liberdade cada vez maior.
Só quando uma Redação é independente ela se capacita a informar direito. Sem a liberdade, não há a perspectiva necessária para olhar a realidade. Assim, o dever da liberdade vem antes do dever da verdade, porque o exercício daquele é condição para o exercício deste.

Manifestações contra a imprensa, como as que têm sido feitas pelo presidente Lula, são uma forma de pressão que afeta essa liberdade?
Não, não vejo aí um atentado contra a liberdade de expressão ou de imprensa. Vejo uma manifestação previsível, própria das tensões que sempre existem entre governo e imprensa.
Quando a imprensa é saudável e busca cumprir sua missão, naturalmente surgem atritos com o governo.
Tampouco identifico investidas que coloquem em risco a democracia no Brasil.
Mas são manifestações inadequadas, indevidas e até inaceitáveis. O Estado não pode se arvorar em árbitro da qualidade da imprensa.
Juízos generalizantes sobre a função da imprensa, quando vêm de uma autoridade de Estado, constituem um embaraço. Mas a democracia no Brasil não se abala só porque o presidente acordou de mau humor.

Há alguma razão para os ataques de Lula à imprensa?
A motivação é eleitoral. Ele é um cabo eleitoral de Dilma Rousseff (PT). Não acho que ele tenha uma intenção estratégica de minar a democracia no Brasil.

Qual o papel da imprensa em uma disputa eleitoral?
Em uma democracia, não é possível nem desejável dizer qual deve ser a conduta correta da instituição imprensa. Pois ela se compõe de diversas manifestações, desde as mais engajadas até as apolíticas. Cada veículo tem um código próprio para regular sua conduta.
Há princípios que, na minha opinião, são bons tanto para a sociedade quanto para o veículo, como independência editorial, busca incessante pela verdade, preservação do direito de resposta e pluralismo, entre outros.
Mas mesmo esses princípios não podem ser impostos como regra universal.
E esse é o erro recorrentemente cometido pelas autoridades. Elas acreditam que a liberdade só é boa para quem se comporta bem.
Uma coisa deve ficar clara: nada que a imprensa faça pode justificar uma fala, vinda do presidente, que a recrimine de forma generalizante.

O sr. concorda com o presidente Lula quando ele diz ser óbvio que a imprensa "tem um lado" e que deveria tornar explícita essa suposta opção?
A liberdade de imprensa garante inclusive o direito de um jornal ser abertamente partidário, caso ele assim o queira. Será um problema do jornal e de seus leitores, que poderão debater o tema.
Mas não é bom que o presidente entre nessa discussão. Ele não tem mandato para ser ombudsman de ninguém. Não é ele que vai dizer quais são os problemas da imprensa, e claro que eles existem.
Por exemplo, preocupa-me mais o volume de verba pública publicitária que entra na imprensa. Hoje, o Estado -governo federal, estadual e municipal- exerce pressão sobre os veículos de informação não só pelos discursos destemperados das autoridades, mas também por ser comprador em alta escala de espaço publicitário.

O tratamento dispensado à imprensa no próximo governo pode ser diferente de acordo com quem vencer as eleições presidenciais?
De forma nenhuma. O curso da democracia no Brasil não depende da natureza psicológica do presidente.
Quando vejo acusações de golpismo -elas vêm dos dois lados, de gente do PT e do PSDB-, eu me pergunto: em que democracia essas pessoas acham que estamos?


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