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ENTREVISTA EUGÊNIO BUCCI
Presidente não foi eleito para ser ombudsman de ninguém
EUGÊNIO BUCCI, PROFESSOR
DA USP E EX-PRESIDENTE DA RADIOBRÁS, DIZ QUE ATAQUES DE LULA SÃO INACEITÁVEIS, MAS NÃO VÊ RISCOS À DEMOCRACIA
UIRÁ MACHADO
DE SÃO PAULO
O jornalista Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicação e Artes da USP e
autor de livros como "A Imprensa e o Dever da Liberdade" (Contexto, 2009), considera inaceitáveis os reiterados ataques de Lula à mídia.
Bucci, porém, não vê nas
manifestações do presidente
ameaças à democracia. "A
motivação é eleitoral", diz.
Ex-presidente da estatal
Radiobrás (2003-2007), Bucci afirma que, quando a mídia é saudável, são naturais
os atritos com o governo. O
que não pode, diz ele, é o Estado querer ser o "árbitro da
qualidade da imprensa".
Na entrevista a seguir,
concedida na última sexta-feira, Bucci ainda questiona
aqueles que, "dos dois lados", invocam o termo "golpismo" nesse debate: "Em
que democracia essas pessoas acham que estamos?".
Folha - A liberdade, em geral,
é vista como um direito, mas
seu último livro a trata como
dever. Por que a inversão?
Eugênio Bucci - A liberdade de imprensa é um direito
da sociedade, e o jornalista
tem o dever de exercê-la. Se
não o fizer, o jornalista sonega um direito à sociedade.
Um dos lados desse exercício é não se deixar capturar
por agendas de quem quer
seja: poder econômico, partidos, governo, corporações.
Exercer a liberdade significa também ir até onde é lícito
ir para obter a informação
que o cidadão tem o direito
de receber. Ao fazê-lo, o jornalista expande a própria
percepção que a sociedade
tem a respeito desse direito.
Exercer a liberdade é tornar a
liberdade cada vez maior.
Só quando uma Redação é
independente ela se capacita
a informar direito. Sem a liberdade, não há a perspectiva necessária para olhar a
realidade. Assim, o dever da
liberdade vem antes do dever
da verdade, porque o exercício daquele é condição para o
exercício deste.
Manifestações contra a imprensa, como as que têm sido
feitas pelo presidente Lula,
são uma forma de pressão
que afeta essa liberdade?
Não, não vejo aí um atentado contra a liberdade de
expressão ou de imprensa.
Vejo uma manifestação previsível, própria das tensões
que sempre existem entre governo e imprensa.
Quando a imprensa é saudável e busca cumprir sua
missão, naturalmente surgem atritos com o governo.
Tampouco identifico investidas que coloquem em
risco a democracia no Brasil.
Mas são manifestações
inadequadas, indevidas e até
inaceitáveis. O Estado não
pode se arvorar em árbitro da
qualidade da imprensa.
Juízos generalizantes sobre a função da imprensa,
quando vêm de uma autoridade de Estado, constituem
um embaraço. Mas a democracia no Brasil não se abala
só porque o presidente acordou de mau humor.
Há alguma razão para os ataques de Lula à imprensa?
A motivação é eleitoral.
Ele é um cabo eleitoral de Dilma Rousseff (PT). Não acho
que ele tenha uma intenção
estratégica de minar a democracia no Brasil.
Qual o papel da imprensa em
uma disputa eleitoral?
Em uma democracia, não
é possível nem desejável dizer qual deve ser a conduta
correta da instituição imprensa. Pois ela se compõe
de diversas manifestações,
desde as mais engajadas até
as apolíticas. Cada veículo
tem um código próprio para
regular sua conduta.
Há princípios que, na minha opinião, são bons tanto
para a sociedade quanto para o veículo, como independência editorial, busca incessante pela verdade, preservação do direito de resposta e
pluralismo, entre outros.
Mas mesmo esses princípios não podem ser impostos
como regra universal.
E esse é o erro recorrentemente cometido pelas autoridades. Elas acreditam que a
liberdade só é boa para quem
se comporta bem.
Uma coisa deve ficar clara:
nada que a imprensa faça pode justificar uma fala, vinda
do presidente, que a recrimine de forma generalizante.
O sr. concorda com o presidente Lula quando ele diz ser
óbvio que a imprensa "tem
um lado" e que deveria tornar
explícita essa suposta opção?
A liberdade de imprensa
garante inclusive o direito de
um jornal ser abertamente
partidário, caso ele assim o
queira. Será um problema do
jornal e de seus leitores, que
poderão debater o tema.
Mas não é bom que o presidente entre nessa discussão.
Ele não tem mandato para
ser ombudsman de ninguém.
Não é ele que vai dizer quais
são os problemas da imprensa, e claro que eles existem.
Por exemplo, preocupa-me mais o volume de verba
pública publicitária que entra na imprensa. Hoje, o Estado -governo federal, estadual e municipal- exerce
pressão sobre os veículos de
informação não só pelos discursos destemperados das
autoridades, mas também
por ser comprador em alta escala de espaço publicitário.
O tratamento dispensado à
imprensa no próximo governo pode ser diferente de acordo com quem vencer as eleições presidenciais?
De forma nenhuma. O curso da democracia no Brasil
não depende da natureza
psicológica do presidente.
Quando vejo acusações de
golpismo -elas vêm dos dois
lados, de gente do PT e do
PSDB-, eu me pergunto: em
que democracia essas pessoas acham que estamos?
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