São Paulo, domingo, 28 de novembro de 2010

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JANIO DE FREITAS

O futuro da violência


O lado mais positivo da operação no Cruzeiro e no Alemão é a promessa de que seja um passo inicial


O ATAQUE TOTAL ao núcleo de bandidos da favela Vila Cruzeiro gerou -e mantém- uma expectativa muito desproporcional aos efeitos que pode produzir sobre a criminalidade armada no Rio.
Encanto generalizado dos cariocas, o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, parece o único a perceber e combater a expectativa que, por ironia, vem de seu próprio desempenho. Mas, se é vitorioso neste, é vencido no esforço de conter a crença em resultados imediatos contra a insegurança na cidade e no Estado.
Beltrame cuida sempre de referir-se a uma estratégia que vai até 2014 (no mínimo, e se tiver continuidade permanente até lá). Insiste em que a operação atual é só o primeiro passo que conseguiu conjugar, nos objetivos e na ação, recursos dispersos ou nem utilizados -e nisso realça, com justiça, a importante disposição da Marinha, enquanto o Exército, que exigiu ser responsável na Constituição pela segurança interna, apegava-se aos seus usuais escapismos.
Uma das melhores qualidades de Beltrame, como secretário, tem sido a de preferir a franqueza à demagogia. Sua insistência na visão realista, apesar de vã, tem toda a razão de ser.
Derrotar o domínio criminal do Complexo do Alemão é eliminar um dos dois ou três núcleos principais da bandidagem armada no Rio. Mas nada além disso é verdadeiro: o êxito estará limitado à sua geografia. Em si mesma, uma grande área. Na amplitude da cidade, uma pequena fração.
Não se sabe quanto do bando dominante no Cruzeiro, e mesmo no Alemão, fugiu em tempo de escapar ao cerco. Uma das dificuldades comuns para a prisão dos chefões é que, por norma, são os primeiros a refugiar-se quando pressentidas ameaças. Não os únicos, porém.
Além disso, note-se que a criminalidade dominante divide-se em três grupos, com respectivos territórios. O ataque ao Complexo do Alemão restringe-se a um território da zona suburbana, mas a zona sul, de maior sensibilidade e muito maiores repercussões, está intocada em seu território mais acusado -a poderosa e difícil Rocinha.
Considerado o todo do Rio, o lado mais positivo da operação no Cruzeiro e no Alemão é a promessa de que seja apenas um passo inicial. Primeira experiência a desdobrar-se, por longo tempo, pelas favelas e cidades de veraneio onde já se refugiam, com sua carga de violência, os desalojados das áreas postas sob controle das Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs.
Para a efetivação de tal desdobramento, muito precisa ser repensado na administração pública e na sociedade. Ou seja, ir contra toda a tradição.
Que reflexões se seguiram, por exemplo, ao grande ataque feito a São Paulo, capital e várias cidades, pelo PCC? Foram muito prometidas no decorrer dos fatos. Não saiu nem uma só. O que mudou na prática? Mudança mesmo, só em penitenciárias, por imposição do acordo -negado mas havido- que deu fim ao ataque feroz. Ou, quem sabe, sustou-o por tempo indeterminado.
O ataque ao núcleo do Cruzeiro-Alemão, para justificar-se como ação de uma estratégia, tem que ser início da fase de violência total contra a violência brutal. Como a sociedade vai se posicionar, quando se der conta disso, eis a questão.


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