São Paulo, domingo, 28 de novembro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

ELIO GASPARI

O "Capitalismo de Laços" da privataria


O professor Lazzarini estudou a vida de 804 empresas para mostrar quem comprou o quê, associado a quem


QUAIS DAS seguintes informações são comprovadamente falsas:
1) A privataria iniciada em 1990 vendeu 165 empresas públicas, gerou uma receita de US$ 87 bilhões e reduziu a presença do Estado na economia nacional.
2) A expansão do setor privado sobre a mineração, telecomunicações, portos, rodovias e no setor elétrico colocou mais competidores no mercado.
3) Antes da chegada dos europeus houve na Amazônia uma civilização fundada por extraterrestres.
Seis anos de pesquisas, durante os quais o professor Sérgio Lazzarini, do Insper, mastigou 20 mil dados estatísticos de 804 empresas, informam que as duas primeiras afirmações são comprovadamente falsas. Quanto aos ETs da Amazônia, quem quiser pode continuar acreditando.
Entre 1996 e 2009 a rede do Estado e dos burocratas de caixas de pensão da Viúva expandiu-se. Cruzando-se números do banco de dados de Lazzarini descobre-se que, em 1996, num universo de 516 grandes empresas, o BNDES e os fundos Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobras) e Funcef (Caixa) participavam de 72 sociedades. Em 2003, numa amostra de 494 companhias a Boa Senhora estava em 95. Em 2009, num universo de 624, o Estado tinha um pé em 119 empresas.
O trabalho do professor chegará nas próximas semanas às livrarias, com o título de "Capitalismo de Laços". Além de mastigar números, Lazzarini foi fundo na documentação do assunto e nos estudos sobre as conexões do mundo empresarial. O livro tem 184 páginas, 51 das quais ocupadas por notas, descrições metodológicas e pela bibliografia.
"Capitalismo de Laços" começa recontando a investida recente do Palácio do Planalto, do fundo de pensão Previ e do empresário Eike Batista sobre os administradores da Vale. Em tese, a Vale é uma empresa privada. Na prática, pelos "laços", o governo é seu maior acionista e, na ocasião, Batista era o melhor amigo.
Segundo a revista "Forbes", ele é o homem mais rico do Brasil. Em 2008, foi o maior patrocinador privado do filme "Lula, o Filho do Brasil" e, em 2006, o maior doador individual na campanha que reelegeu Nosso Guia. Quem teria sido o maior doador corporativo? A Vale.
A privatização virou privataria (termo que Lazzarini não endossa), quando o tucanato, em busca de recursos e de interessados para os leilões de venda do patrimônio da Viúva, recorreu às arcas dos fundos de pensão e do BNDES. Diz o professor: "Fernando Henrique, longe de "esquecer o que escreveu", em realidade ajudou a sedimentar o capitalismo de laços no Brasil". Durante os últimos oito anos petistas alguns laços desfizeram-se (os de Daniel Dantas, por exemplo), outros, como os de Eike Batista e do grupo JBS-FriBoi (outro grande doador de 2006), estabeleceram-se.
Os laços do andar de cima com o Estado foram magistralmente mostrados por Raymundo Faoro em seu "Donos do Poder", um livro de 1957. Lazzarini poderia ter chamado seu livro de "Donos do Poder 2.0". Ele fulanizou e quantificou suas afirmações. Estudou a composição acionária das empresas do seu banco de dados para testar uma variante do famoso "diga-me com quem andas e eu te direi quem és": "Diga-me de qual empresa você é dono que te direi quem é o seu amigo".
O professor trabalhou com um complicado conceito de "centralidade". Simplificando-o quase ao exagero, é como se tivesse estudado a composição acionária das empresas com o olhar de um usuário do Facebook. Em 1996, quem tinha mais "amigos" eram a União (com o BNDES) e a Previ. Em 2009 a situação era a mesma. Com outro critério, olhando-se para os grupos econômicos e seus cruzamentos, hoje quem tem mais amigos é o conglomerado da Andrade Gutierrez, seguido pelo grupo do empresário Carlos Jereissati.
Estudando a estrutura das grandes empresas, Lazzarini mostra como é pequeno o mundo dos amigos entrelaçados: 11 grão-senhores participam de 66 conselhos de empresas.
Na epígrafe do livro o professor repete a frase do romance "O Leopardo", quando o aventuroso Tancredi (Alain Delon no filme) diz ao tio (Burt Lancaster): "Se quisermos que tudo fique como está, é preciso que tudo mude".

MARKETING DE ELITE
Num país onde até bem pouco tempo a doutora Dilma falava das proezas dos discos voadores da Polícia Federal, a desgraça do Rio é mais um aviso: se marketing e cenografia produzissem segurança pública, Los Angeles não precisaria de polícia.

BOLSA MALFEITOR
Durante o último Congresso de Auditores Fiscais, realizado em Florianópolis, apareceu uma proposta pra lá de girafa: os servidores encarregados de fiscalizar o pagamento de impostos pela patuleia criariam um fundo de amparo aos colegas demitidos a bem do serviço público pela Receita Federal. Os associados sofreriam um aumento das mensalidades do sindicato para assegurar os salários de colegas postos na rua por conta de malfeitos apurados em inquéritos nos quais tiveram direito de defesa. Uma Bolsa Malfeitor. A proposta foi abortada.
Infelizmente, reapareceu no conselho de delegados sindicais, vinda de Santos. Na sua versão atual, o fundo ampararia algo como uma dúzia de auditores demitidos, com cerca de R$ 12 mil mensais para cada um.
A ideia ofende a lógica. Pode-se suspeitar que algo parecido já exista, sob a forma de um caixa três. Ela pagaria aos desafortunados uma mesada superior aos vencimentos dos auditores que ralam oito horas diárias no serviço.

O HAITI DAQUI
Nosso Guia liberou mais US$ 2 milhões para o Haiti. Tudo bem, mas ainda não pagou o que ofereceu às famílias dos 18 militares que morreram há quase um ano em Porto Príncipe.
Durante seus oito anos de palácio, recebeu em dia perto de R$ 500 mil do Bolsa Ditadura, mas seu governo não paga o prometido a quem estava servindo ao país.

PESADELO
Em junho passado soube-se em Washington que um militar americano entregara ao portal WikiLeaks os textos de 260 mil mensagens internas do Departamento de Estado e de embaixadas dos EUA pelo mundo afora.No início deste mês, Julian Assange, o dono do WikiLeaks, disse ao repórter Jamil Chade que "parte da informação que temos sobre o Brasil poderia ter abalado as pretensões eleitorais de algumas pessoas". Quais pessoas e que informações, não disse.Agora o "The Washington Post" informou que as embaixadas americanas estão alertando os governos amigos que devem se precaver para uma chuva de chumbo.O que vem por aí não se sabe. De todo modo, qualquer magano que tenha conversado assunto sério com diplomata americano, em audiência, jantar, ou até encontro na praia, deve botar as barbas de molho. É da rotina diplomática que os quadros das embaixadas e dos consulados relatem aos seus governos seus contatos relevantes. Velhos telegramas americanos informam que, em geral, as narrativas são fiéis.Em vazamentos anteriores, o que apareceu na WikiLeaks relacionado com o Brasil eram poucas banalidades ou simples lixo.

TREM DA VIÚVA
O doutor Bernardo Figueiredo, da Agência Nacional de Transportes Terrestres e o comissariado do Planalto devem comprar o livro "Capitalismo de Laços" logo que ele sair.Faltando investidores para o projeto do Trem-Bala, chamaram o BNDES, o Tesouro e os fundos de pensão da Viúva. Exatamente como os tucanos na privataria.


Texto Anterior: Raio-X: Wendy Hunter
Próximo Texto: Campanha tenta salvar escola do MST
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.