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OPINIÃO ELEIÇÕES 2010
Saudades do PSDB com um projeto político nítido
Associada à imagem do muro, sigla se afasta do que a levou ao poder
GUSTAVO FRANCO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Sou filiado ao PSDB desde
a campanha presidencial de
Mario Covas, e fui eleitor de
José Serra, como fui de Geraldo Alckmim, a despeito desses candidatos terem me deixado a impressão de que o
projeto político tucano perdeu nitidez. É verdade que,
como dizia Machado de Assis, "basta ser partido para
não ser inteiro", e que o
PSDB sempre acomodou
muita diversidade, e por isso
mesmo ficou associado à
imagem do muro, não o de
Berlim, mas o da hesitação.
Nada diferente de outras
agremiações, exceto talvez
das mais radicais e sectárias.
Não obstante, o PSDB,
sempre considerado um
"partido de quadros", como
se isso o afastasse das causas
populares ou da efetividade
em governar, produziu ideias
e ações que encantaram o
país: o "choque de capitalismo", o Plano Real, a conciliação entre estabilidade e crescimento, entre políticas sociais e sustentabilidade fiscal, o combate ao corporativismo e à corrupção através
da disseminação de valores
como meritocracia e transparência, no contexto de uma
democracia de mercado.
Era o projeto de um estado
regulador e ativista, porém
sem ultrapassar os limites
dados pela responsabilidade
fiscal, conceito que inventamos e colocamos em operação ainda que sem explorar
suas últimas consequências.
A linguagem podia parecer liberal, foi esta a "acusação", descabida, é claro, mas
quem se importa com o rótulo, ainda mais dado pelo adversário? A social-democracia que os tucanos traziam, e
cuja expressão mais clara era
a estabilidade da moeda, definia um projeto tão simples
quanto inovador: num país
de privilégios e igrejinhas,
onde a parte "vertebrada" da
sociedade estava embriagada de patrimonialismo, revolucionário era reorganizar a
economia a partir de regras
universais, onde a lei era a
mesma para todos, e a moeda despolitizada.
É claro que estou falando
do "meu PSDB", e que outros
filiados podem ter ideias diferentes. Na verdade, acho
que foram as outras correntes de pensamento no partido que passaram a prevalecer especialmente a partir da
campanha de 2002, quando
nos afastamos do Plano Real,
das reformas e dos valores
acima mencionados, menos
por se apequenar diante da
crítica, que pelas ideias do
candidato que escolhemos.
O fato é que nossa candidatura em 2002 foi de oposição, em 2006 nosso candidato vestiu um casaco das estatais, e nas eleições de agora
nosso candidato falou de privatização constrangido e
"acusando" Lula de privatizar também (em concessões
de exploração de petróleo),
como quem diz que os partidos são todos iguais em vilania. E todo o resto? As bombas desmontadas, os programas sociais pioneiros, o Plano Real? FHC, nosso presidente de honra, mal foi lembrado. Com raras exceções, a
campanha sequer mencionou que FHC trouxe uma inflação de 7.260% para 1,6%
anuais em cerca de 4 anos,
nada menos que uma cura
milagrosa, cujos efeitos se fazem sentir ainda hoje.
Os que entendem de política dizem que a economia foi
decisiva nessa eleição, pois
bem, se assim é, estamos
dentro do meu território e
posso oferecer o meu diagnóstico: o PT governou, ganhou 80% de aprovação, e
prometeu governar com as
políticas econômicas do
PSDB, mantendo religiosamente o tripé responsabilidade fiscal (superavit primário), metas de inflação e câmbio flutuante.
E o PT deriva praticamente
todo o seu capital político
dos sucessos na economia, a
ponto de compensar sua
inépcia administrativa e os
escândalos. Fomos nós que
introduzimos a fórmula da
boa política econômica, e depois nos afastamos da nossa
criação bem sucedida, apenas para ver nosso candidato
resmungar sobre juros altos,
desindustrialização e "populismo cambial".
Não há problemas em perder eleição, pois assim é a democracia e o futebol. Ninguém vai ganhar todas.
Difícil é perder jogando
um futebol que não é o nosso, ver o nosso candidato
sem uma identidade partidária, que talvez tivéssemos
construído com o devido debate partidário. Quem é o
partido que trata da saúde,
emprego, segurança, os temas vagos que estão na múltipla escolha do questionário
de telemarketing que os marqueteiros mostram para a população?
Resposta: todos. E ao mesmo tempo nenhum, pois se
todos são a favor da virtude,
onde está a diferença? O que
nos distingue deles? Será que
ganhamos tantos votos por
conta dessas platitudes, ou
por que as pessoas sabem sobre a economia, ou sobre
quem fez o que, muito mais
do que se pensa?
GUSTAVO FRANCO, 54, é economista e foi
presidente do Banco Central entre 97 e 99
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