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ENTREVISTA GILMAR MENDES
Quebra de sigilo é fruto de "banditismo", diz Mendes
MINISTRO E EX-PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CRITICA "PARADIGMAS SELVAGENS DA POLÍTICA SINDICAL" E CONDENA USO DE CARGOS PÚBLICOS PARA BENEFÍCIO PARTIDÁRIO
FELIPE SELIGMAN
DE BRASÍLIA
Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, 54, afirmou que a quebra
de sigilo fiscal de pessoas
vinculadas a tucanos é fruto
de "banditismo político" e revela "paradigmas selvagens
da política sindical".
Em entrevista anteontem à
Folha, ele disse que "o servidor público não pode usar
button", numa referência
àqueles que usam o cargo em
benefício de seus partidos.
Mendes criticou o aparelhamento político do serviço
público brasileiro, ao dizer
que se trata de "uma anomalia que se normalizou". "Os
funcionários públicos precisam entender que não estão
a serviço de uma instituição
partidária", declara.
Segundo ele, o episódio do
vazamento da Receita Federal é algo típico de "partidos
clandestinos que utilizavam
dessas práticas como um instrumento de defesa contra
um regime ditatorial".
No comando do STF
(2008-2010), o ministro ficou
conhecido por críticas que
fez ao que chamou de Estado
policial e "espetacularização
das prisões" pela Polícia Federal, que, segundo ele, estava fora de controle.
Folha - Como o sr. avalia esse
vazamento de informações
sigilosas da Receita Federal?
Gilmar Mendes - É algo assustador e lamentável. Sobretudo quando ocorre em
uma instituição profissionalizada e profissional como a
Receita Federal.
O sr. vê alguma relação com o
grande número de cargos em
comissão?
Claro. O aparelhamento de
instituições é algo grave e nocivo ao serviço público do
país. Os funcionários públicos precisam entender que
não estão a serviço de uma
instituição partidária. Quando fazem isso, estão descumprindo o princípio democrático.
Esse aparelhamento é tratado
como algo natural no Brasil?
O servidor não pode usar
button e isso é algo que se
transformou em cultura ao
longo do tempo. É uma anomalia que se normalizou.
Mas não existe só na Receita.
É algo que se generalizou?
Para atender a interesses
partidários, os interesses democráticos são desrespeitados. Isso acontece em qualquer órgão [aparelhado]. É o
funcionário da Receita que
quebra sigilo fiscal. É o funcionário de um banco que
quebra o sigilo bancário.
Como combater isso, já que,
como o sr. mesmo diz, se normalizou?
É preciso punir gravemente essa cultura de dossiês no
país. Os partidos que se utilizaram disso têm que pedir
desculpa. Têm que fazer um
mea culpa. Porque isso é típico de partido da clandestinidade e não pode ocorrer em
um regime democrático.
O aparelhamento é uma característica genuinamente
brasileira?
Em outros países democráticos é pequeno o número
de funcionários com ligações
partidárias porque existem
poucos cargos em comissão.
Aqui costumamos ver funcionários públicos a serviço
de siglas partidárias. É coisa
de partido clandestino que
atuava contra regimes autoritários. Mas é preciso entender que não vivemos mais
sob tais condições. Vivemos
em um regime democrático e
isso é inadmissível.
O sr. atribui o vazamento na
Receita apenas à cultura de
clandestinidade partidária?
Não. A cultura do vale-tudo da política sindical também pode estar ligada a tudo
o que vem acontecendo. Não
se pode transpor ao mundo
político institucional os paradigmas selvagens da política
sindical. Também vejo isso
como outra fase do patrimonialismo. Aqueles que estão
no poder acham que podem
fazer tudo por estarem lá.
E eles podem?
Hoje a Receita Federal pode, por exemplo, quebrar sigilo bancário em procedimentos administrativos sem
uma autorização judicial. Isso é permitido por uma lei
complementar [a 105 de
2001] que inclusive foi contestada no Supremo [Ação
Cautelar 33, atualmente sob
um pedido de vista da ministra Ellen Gracie]. Mas quem
confiará em um órgão que
age dessa maneira?
Por episódios como esse, é
possível que o Supremo derrube essa lei?
O Supremo pode discutir
isso e deve fazer. Mas, como
eu venho dizendo, é preciso
que se edite uma lei de abuso
de autoridade para punir
quem age dessa maneira.
Neste caso, porém, o fenômeno é ainda mais grave. É preciso punir tanto aquele que
passa as informações como
aquele que recebe. Porque
quem pega essas informações e as utiliza está estimulando esse tipo de prática.
E como é possível punir aquele agente partidário que recebe as informações?
É como no crime de receptação. Tanto participa do crime aquele que furta como
aquele que compra o objeto
furtado. Por isso que as agremiações políticas também
devem ser responsabilizadas
por receber essas informações. Ou então devem ir a público e repudiar esse tipo de
prática de banditismo político. Porque isso não tem nada
a ver com política partidária.
O sr. vê o PT envolvido nesse
vazamento?
Isso eu não posso dizer,
mas é preciso verificar quem
está por trás disso. Se for partido de governo é algo ainda
mais grave. Quando a Receita é aparelhada, os Correios
são aparelhados, quem é que
vai confiar nessas instituições? E quando elas ficam
desacreditadas, abre-se espaço para aventuras antidemocráticas.
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