São Paulo, domingo, 29 de agosto de 2010

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ELIO GASPARI

Se dependesse do DEM, ProUni não existiria


Dilma disse a verdade quando acusou o ex-PFL de tentar destruir o programa no STF


EM BENEFÍCIO DA QUALIDADE do debate eleitoral, é necessário que seja esclarecida uma troca de farpas entre Dilma Rousseff e José Serra durante o debate do UOL/Folha. Dilma atacou dizendo o seguinte: "O partido de seu vice entrou na Justiça para acabar com o ProUni. Se a Justiça aceitasse o pedido, como você explicaria essa atitude para 704 mil alunos que dependem do programa?"
Serra respondeu: "O DEM não entrou com processo para acabar com o ProUni. Foi uma questão de inconstitucionalidade, um aspecto".
Em seguida, o deputado Rodrigo Maia, presidente do DEM, foi na jugular: "Essa informação que ela deu é falsa, mentirosa".
Mentirosa foi a contradita. O ProUni foi criado pela medida provisória 213 no dia 10 de setembro de 2004. Duas semanas depois o PFL, pai do DEM, entrou no Supremo Tribunal Federal com uma ação direta de inconstitucionalidade contra a iniciativa, e ela tomou o nome de ADI 3314.
O ProUni transferiu para o MEC a seleção dos estudantes que devem receber bolsas de estudo em universidades privadas. Antes dele, elas usufruíam benefícios tributários e concediam gratuidades de acordo com regras abstrusas e preferências de cada instituição ou de seus donos.
Com o ProUni, a seleção dos bolsistas (1 para cada outros 9 alunos) passou a ser impessoal, seguindo critérios sociais (1,5 salário mínimo per capita de renda familiar, para os benefícios integrais), de acordo com o desempenho dos estudantes nas provas do Enem. Ninguém foi obrigado a aderir ao programa, só quem quisesse continuar isento de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, PIS e Cofins.
O DEM sustenta que são inconstitucionais a transferência da atribuição, o teto de renda familiar dos beneficiados, a fixação de normas de desempenho durante o curso, bem como as penas a que estariam sujeitas as faculdades que não cumprissem essas exigências.
A ADI do ex-PFL está no Supremo, na companhia de outras duas e todas já foram rebarbadas pelo relator do processo, o ministro Carlos Ayres Britto. Se ela vier a ser aceita pelo tribunal, bye bye ProUni.
Quando o PFL/DEM decidiu detonar a medida provisória 213, sabia o que estava fazendo. Sua petição, de 23 páginas, está até bem argumentada. O que não vale é tentar esconder o gesto às vésperas de eleição.
Em 1944, quando o presidente Franklin Roosevelt criou a GI Bill que, entre outras coisas, abria as universidades para os soldados que retornavam da guerra, houve políticos (poucos) e educadores (de peso) que combateram a iniciativa.
Todos tiveram a coragem de sustentar suas posições. Em dez anos, a GI Bill botou 2,2 milhões de jovens veteranos nas universidades, tornando-se uma das molas propulsoras de uma nova classe média americana.
O ProUni não criou as bolsas, ele apenas introduziu critérios de desempenho e de alcance social para a obtenção do incentivo. Desde 2004 o programa já formou 110 mil jovens, e há hoje outros 429 mil cursando universidades. Algum dia será possível comparar o efeito social e qualificador do ProUni na formação da nova classe média brasileira. Nessa ocasião, como hoje, o DEM ficará no lugar que escolheu.

CONVITE AMIGO
Registro para a crônica da política externa de Nosso Guia:
No final de 2007, quando Gilberto Gil decidiu deixar o Ministério da Cultura, Lula perguntou delicadamente ao chanceler Celso Amorim se não preferiria trocar de pasta, indo para um lugar mais sossegado. Amorim preferiu ficar.

VIVA A TUNGA
Há um novo tipo de sindicalismo no país. Diante da decisão do Ministério do Trabalho de instituir o ponto eletrônico na porta das empresas, dezenas de sindicatos patronais foram à Justiça para impedir o funcionamento da maquininha. Até aí, tudo bem, pois desde que se inventou a jornada de trabalho remunerada o sonho de alguns patrões é tungar algumas horas de serviço de seus empregados, bem como os impostos e contribuições devidos à Viúva.
A novidade veio de onde menos se esperava: são muitos os sindicalistas-companheiros que não querem o ponto eletrônico.

RECEITA DESANDADA
O alto comissariado do Planalto está amargamente arrependido por não ter botado a boca no mundo e a polícia na rua quando vazaram dados sigilosos relacionados com José Dirceu, Antonio Palocci e Marta Suplicy.
Se esse arrependimento fosse pequeno, acrescente-se a ele a tristeza dos comissários ao verificarem que deveriam ter forçado o companheiro Nelson Machado, atual secretário-executivo do Ministério da Fazenda, a assumir a Secretaria da Receita em 2007, no lugar de Jorge Rachid.
O silêncio protegeu os malfeitores de todos os credos, sobretudo aqueles cujo principal interesse é continuar nos cargos que lhes permitem traficar dados da vida alheia.



UMA DOSE DE OTIMISMO NA VEIA

Saiu nos Estados Unidos um daqueles livros que confundem as controvérsias convencionais e colocam novas ideias, ou novas dúvidas, na cabeça das pessoas. É "O Otimista Racional" ("The Rational Optimist"), de Matt Ridley, um biólogo/ jornalista que já chefiou o escritório da revista "The Economist" em Washington.
Seu recado, parafraseando Joãozinho Trinta, seria o seguinte: intelectual gosta de fim do mundo, quem gosta de progresso é o trabalhador. Flerta-se com o pessimismo durante um esplêndido momento da espécie. Cadê o bug do milênio? E a gripe aviária? E o apocalipse da falta de alimentos? A bomba da superpopulação? O desastre da vez seria a catástrofe ambiental.
Ridley fez um coquetel de Adam Smith ("A Riqueza das Nações") com Charles Darwin ("A Origem das Espécies"), sustentando que o nosso macaco transformou-se no que é sobretudo pela capacidade de trocar coisas e serviços.
Luís 14 tinha 498 criados trabalhando na sua cozinha, mas uma dona de casa parisiense come melhor do que ele. Tomando como referência o ano de 1955, Ridley informa: a renda das pessoas triplicou, a pobreza absoluta caiu de 50% da humanidade para 18%, comem-se 30% mais calorias, a mortalidade infantil foi reduzida em dois terços e um cidadão do Botswana tem hoje a renda de um finlandês em 1955.
Transplantando-se as comparações de Ridley e tomando-se duas estatísticas vitais de Pindorama de hoje, coletadas no banco de dados da ONU, toma-se uma injeção de "otimismo racional". A expectativa de vida do brasileiro de hoje (73,5 anos) está no patamar sueco de 1960, acima do inglês (70,8), americano (70) e do suíço (71,7) da mesma época. A mortalidade infantil (23 crianças mortas para 1.000 nascidas vivas) equivale à de 1960 na Inglaterra (22) e é melhor que a da França e dos Estados Unidos (25) há 50 anos.


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