São Paulo, segunda-feira, 30 de maio de 2011

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ANÁLISE

Orientação do Vaticano é que se invista em qualidade, não em quantidade de fiéis

HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA

É um pouco estranho ver a Igreja Católica erguer um templo com capacidade para 100 mil pessoas, quando a orientação oficial do Vaticano tem sido a de investir mais na qualidade do que na quantidade de fiéis.
É o próprio Bento 16 quem não se cansa de repetir que a igreja não pode transigir com a preservação dos valores essenciais do cristianismo, por mais impopular que seja.
Acrescente-se a isso o significativo crescimento das igrejas neopentecostais na América Latina e temos um paradoxo: como pode a Igreja Católica, em tempos de concorrência feroz, dar-se ao luxo de sacrificar fiéis?
Um bom modelo (não religioso) para entender o que está em jogo é o dos memes, que são unidades de informação cultural capazes de propagar-se por mentes humanas de modo análogo àquele pelo qual genes se perpetuam em seres vivos. Exemplos são a tecnologia, a moda, as piadas e a própria religião.
Como pode uma ideia, que é imaterial, reproduzir-se como um organismo biológico?
Não chega a ser um problema. As ideias, afinal, partilham com os genes as características fundamentais da evolução: variação, competição e possibilidade de, com diferentes graus de sucesso, replicar a si mesmas através de vetores que, no caso das religiões, são fiéis, clérigos e livros sagrados.
Como medir o sucesso de um meme religioso? Agregar um bom rebanho é importante. Uma religião sem fiéis está condenada. No máximo sobrevive em enciclopédias. Mas existem outras formas de morte religiosa. Uma delas é sofrer um número tão grande de mutações que acabe por descaracterizá-la.
Isso já ocorreu. O cristianismo, por exemplo, se apropriou de genes de outros credos e teve tanto sucesso que acabou por matar fés das quais emprestou elementos. Um exemplo é o culto a Mitra, antes tão popular entre os legionários romanos, do qual o cristianismo tirou o mito do nascimento virginal.
É por isso que sacerdotes, além de converter pessoas, precisam também zelar pela "pureza" do DNA religioso. Para o papa, aceitar os termos impostos pela concorrência implicaria abrir mão de características que ele considera fundamentais para o catolicismo.
Assim, ele fez sua escolha pelo "pauci, sed boni" (poucos, mas bons). Prefere uma igreja com menos fiéis, mas mais fiéis à doutrina. Se a estratégia vai dar certo é um outro problema.


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