São Paulo, segunda-feira, 31 de maio de 2010

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ENTREVISTA DA 2ª

MÁRCIO THOMAZ BASTOS


Candidatos já fazem campanha e testam os limites do TSE

O ADVOGADO DE LULA E DA CAMPANHA DE DILMA DIZ QUE A LEI QUE PROÍBE PROPAGANDA ELEITORAL ANTES DE JULHO "NÃO ABARCA A REALIDADE"

FLÁVIO FERREIRA
DE SÃO PAULO

Após assumir neste mês pela primeira vez a defesa de um presidente em exercício e ser contratado pela pré-candidata do PT, o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos diz que Dilma Rousseff, José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV) estão em campanha e defende alterações na lei que proíbe a propaganda eleitoral antes de julho. Leia os principais trechos da entrevista concedida pelo advogado criminalista.

 

Folha - Como sr. vê o atual momento da pré-campanha à Presidência, com várias representações propostas pelos partidos no Tribunal Superior Eleitoral?
Márcio Thomaz Bastos - O presidente do TSE, Ricardo Lewandowski, disse em seu discurso de posse que o tribunal não vai ser o protagonista das eleições. Os protagonistas são os partidos, os candidatos. O TSE é um juiz desse jogo democrático. Esse deve ser o seu papel. Ele não pode ir para o centro da cena, não pode ir para a ribalta. Acredito que, pela alta qualificação de seus integrantes e pelo nível dos advogados que atuam no tribunal, esse ideal será alcançado.

O TSE já aplicou quatro multas ao presidente e duas multas a Dilma por propaganda eleitoral antecipada. Como o sr. avalia essas punições?
A decisão do TSE tem que ser respeitada, mas pode ser discutida. Algumas delas nós estamos embargando, porque entendemos que houve uma mudança na jurisprudência. Os programas [veiculados na TV e no rádio] que avaliei -não sou especialista em direito eleitoral, estou estudando isso agora- me deram a consciência de que aquilo era permitido na outra composição do TSE.
Isso porque são programas de propaganda política, não são de outra natureza. São para dizer o que o partido fez e comparar com o que o seu opositor fez, de modo que, na minha opinião, as multas não foram justas. Pela jurisprudência que o tribunal vinha tendo e pelo texto da lei, são programas de propaganda, não são programas de educação moral e cívica.

Porém o entendimento do TSE foi de que a propaganda foi feita com muita ênfase na imagem de Dilma Rousseff.
Acho que a ênfase que houve, inegavelmente, na figura de Dilma é porque ela foi uma parte importante do governo. Ela trabalhou neste governo por sete anos e meio, dos quais cinco anos e meio como chefe da Casa Civil, e centralizava toda a coordenação de programas.

Como o sr. avalia as punições quanto à participação de Lula e Dilma em eventos nos quais o presidente apontou direta ou indiretamente a ligação dele com a pré-candidata?
Mas essa ligação é extremamente conhecida. Essa ligação existe desde que a Dilma era ministra dele. Então, realmente, eu acho que, com esse direito que ele tem, pode ter havido um desvio, um deslize, alguma coisa assim, isso pode ter havido. É uma questão de interpretação.
A interpretação dos nossos advogados é que não houve, mas a interpretação do TSE é que tem que prevalecer, tanto que o presidente pagará as multas. Mas, não acredito que haja, digamos assim, uma intenção deliberada de uso da máquina. Não há. Lula é um homem absolutamente consciente do papel dele como chefe de Estado e como presidente.

O presidente chegou a ser acusado de debochar das multas. Isso ocorreu?
Eu acho que é brincadeira.
Você pode até duvidar do gosto da brincadeira, mas o fato essencial é que ele é um respeitador profundo do Poder Judiciário.

Não houve uso da máquina pública no 1º de Maio da Força Sindical, já que a festa contou com patrocínio de estatais e serviu de palanque para manifestações pró-Dilma?
Não acredito que tenha havido o uso da máquina. Acho até que a lei exige que seja do conhecimento geral e ali não era do conhecimento geral.
Era uma festa de 1º de Maio e houve referências. Trabalhei nesse caso e defendemos o cuidado que se precisa ter de coibir manifestações de trabalhadores. É claro que não se pode fazer propaganda explícita. A lei mostra os caminhos para a coibição.
Não acredito que seja isso [uso da máquina pública], porque o objetivo não foi esse. Não houve uma divulgação erga omnes [de forma generalizada]. Pode ter havido um deslize aqui, um deslize ali, que se tiver algum erro será corrigido com a multa.
Mas vamos tentar evitar daqui para a frente.

Como é que sr. avalia a atual lei que prevê o início da propaganda eleitoral só em julho? O sr. tem uma opinião sobre quando essa propaganda deveria ser permitida?
Não sou especialista, tenho estudado a questão na medida dos casos correntes.
Mas o que eles estão fazendo é campanha eleitoral, tanto Dilma como Serra e Marina. Eles discutem as coisas, fazem promessas, fazem censuras, fazem críticas, "aqui está errado, aqui está certo", "nós vamos fazer mais, nós temos que fazer diferente".
Acho que a campanha, depois do lançamento das candidaturas devia ser permitida. A lei deixou de abarcar a realidade. É preciso fazer com que ela se torne capaz de conter a realidade, e não de proibir o que não precisa ser proibido. Os atores dessa peça eleitoral vão testando os limites, até onde podem ir, dão um recuo tático, dão dois passos para a frente, um para trás. É isso o que acontece e continuará acontecendo.

No Ministério da Justiça o sr. participou da indicação de magistrados do STF e do STJ.
O sr. acha que algum desses indicados terá que se declarar impedido nos casos em que o sr. advogar?
De maneira nenhuma. O presidente Lula indicou sete ministros para o Supremo e dezenas de ministros para o STJ. Eu participei de algumas indicações, mas eu acredito que ninguém se dê por impedido. Eu acho que não se deve dar ensejo a isso porque a indicação vai até o momento da investidura. Depois disso, ele [o indicado] presta um juramento que muda a sua condição.

Quando o escândalo do mensalão veio à tona, surgiu uma versão de que o sr. participou da definição da tese da defesa de que no caso ocorreram só crimes eleitorais. As provas técnicas do processo no STF não derrubam essa tese?
Quero fazer uma retificação. Se falou tanto que eu exerci o papel de advogado, enquanto era ministro da Justiça, que isso acabou ficando como que uma verdade. Mas não participei, de maneira nenhuma, da construção de teses defensivas no período em que fui ministro, até porque todos os acusados têm excelentes advogados.
Não conheço o processo e as perícias, mas não acredito que haja muito mais ali do que esse tipo de coisa de crime eleitoral. Não me parece verossímil a história de que havia uma mesada paga a congressistas. Não acredito nisso até porque muitos dos acusados eram da base do governo. Eram deputados do PT, de partidos aliados.

Folha.com

Assista a vídeo da entrevista
folha.com.br/1014823


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