São Paulo, domingo, 31 de outubro de 2010

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JANIO DE FREITAS

Sobras da campanha


A causa do agravamento das más relações entre a imprensa e os Poderes não esteve na criação de fatos falsos, mas no tratamento dado a fatos reais

A CAMPANHA ELEITORAL não vai se satisfazer com o fim, nas urnas, da disputa política. Além das pendências judiciais, ainda relativas ao destino de políticos, alguns dos muitos aspectos negativos da campanha plantaram as raízes de confrontos, vários outros, a se acirrarem já em futuro próximo.
As pesquisas eleitorais, por exemplo, tiveram no primeiro turno uma perda de prestígio que se projetou, no segundo, como reserva em relação a seus índices e prognósticos. As últimas sondagens e, hoje, a de boca de urna podem recuperar-se, mas a discussão sobre o papel das pesquisas nas eleições -tema já discutido em várias ondas- emite sinais de que ressurgirá com energia redobrada.
No meio político, ninguém saiu em defesa das empresas pesquisadoras. As acusações, porém, não se diferenciaram entre lado vitorioso e lado derrotado nas numerosas disputas do primeiro turno. José Serra, em caso bastante ilustrativo, no segundo turno martelou as afirmações de que "as pesquisas erram" e de "institutos de aluguel". As frustrações no primeiro turno, com as derrotas e vitórias insuficientes não previstas pelas pesquisas, indispõem do mesmo modo o PT & cia. com os institutos. E o tema das pesquisas ainda é facilitado por sua associação a dois outros em pauta: a reforma eleitoral e os meios de comunicação.
O desempenho da imprensa no decorrer da campanha ampliou muito as más relações entre ela e os Poderes Executivo, Legislativo e, com menos explicitude mas não menos veracidade, Judiciário. A causa do agravamento não esteve na criação de fatos falsos, mas no tratamento dado a fatos reais. As queixas, com frequência em níveis de indignação, partem de todos os lados. Com um elemento de surpresa: nestas eleições, a TV é raramente citada nas reprovações. E de fato deixou a impressão de atuar, digamos, geralmente, com maturidade jornalística muito acima do jornalismo impresso, que assumiu o anterior papel televisivo de protagonista na luta eleitoral.
Os Conselhos de Imprensa aprovados ou propostos em pelo menos sete Assembleias Estaduais e outros no Congresso são atribuídos, nas reações da imprensa, a inspiração chavista e coisas que tais. O que os inspira, no entanto, são considerações internas. É só notar que, na Assembleia do Ceará, o primeiro desses conselhos foi aprovado por unanimidade, e entre os outros há os que são de iniciativa do DEM. Chavismo no PT, vá lá. Mas no DEM e no PSDB?
O impulso que os conselhos receberam em Assembleias e no Congresso, depois do primeiro turno, tende a assumir lugar de relevância nos próximos meses, com a esperada reação corporativa da imprensa e aliados influentes que por certo terá.
A responsabilidade pela miséria mental das disputas eleitorais está posta nos marqueteiros, com seu objetivo de vender um produto, e não de proporcionar a seleção de ideias e direção para o país. O diagnóstico não admite ressalvas, tão longe a marquetagem levou seu domínio sobre os candidatos e sobre o próprio processo eleitoral: os dois disputantes da Presidência da República nem programa, por fictício que fosse, apresentaram ao eleitorado.
Toda reação a esse engodo contrário à democracia será pouca. Transformados pelos marqueteiros em recursos do engodo, os debates sem debate entraram na lista dos componentes destas eleições que dificilmente vão sobreviver, ou sobreviver tais como são, até as próximas. Mas, por favor, não esqueça, o Brasil é brasileiro.


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