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O paradoxo do tempo
NELSON FIEDLER-FERRARA
Ilya Prigogine sempre surpreende. Mesmo seus opositores intelectuais nele reconhecem um faro excepcional para descobrir novas direções na ciência. Não menos surpreendentes e polêmicas são as idéias
que esse cientista nos propõe no livro "As Leis do Caos", publicado com
correta tradução a partir da edição original italiana de 1993.
Prigogine nasceu em Moscou em 1917. É diretor dos Institutos Solvay
de Física e Química, em Bruxelas, e do Centro Ilya Prigogine de Mecânica Estatística, Termodinâmica e Sistemas Complexos, em Austin
(EUA). Em 1977 recebeu o Prêmio Nobel de Química por suas contribuições à termodinâmica de não-equilíbrio e pela descrição das estruturas dissipativas, cernes das reflexões da chamada Escola de Bruxelas,
que tem em Prigogine seu principal cientista.
Estruturas dissipativas são fenômenos de criação de ordem longe do
equilíbrio termodinâmico. Prigogine observou que longe do equilíbrio
termodinâmico, na presença de fluxos de energia e de matéria mantidos a partir do exterior do sistema, não existe um princípio termodinâmico único que possa determinar a evolução do sistema. Essa evolução
deve ser estudada introduzindo a dinâmica, utilizando, em particular,
os métodos e conceitos do movimento caótico.
"As Leis do Caos" é um livro difícil para leigos. Faz uso de procedimentos matemáticos e conteúdos conceituais bastante sofisticados,
mais apropriados a pós-graduandos ou cientistas. Para leitores com conhecimento de matemática avançada, o livro fornece um longo apêndice sobre teoria espectral e caos. Contudo Prigogine é um mago da escrita. Isso o torna surpreendentemente -e perigosamente- legível.
O perigo reside na possibilidade de compreensão equivocada dos
conteúdos, favorecendo-se generalizações impertinentes, mas também
erros conceituais graves, particularmente quando essas idéias são aplicadas em outras áreas do conhecimento, particularmente nas ciências
do homem e em certas generalizações apressadas no âmbito das ciências biológicas e da evolução.
Caos e irreversibilidade
A teoria do caos determinístico não é uma teoria da desordem ou do
caos primordial. Nela, determinismo e imprevisibilidade coexistem. O
determinismo está presente porque a dinâmica do sistema é fornecida
por equações. A imprevisibilidade ocorre porque há "dependência sensível às condições iniciais", isto é, devido à presença de não-linearidades no sistema, pequenas diferenças nas condições iniciais são amplificadas exponencialmente e, para um tempo suficientemente longo, trajetórias do sistema, partindo de condições iniciais ligeiramente diversas, se distanciarão. Sistemas que apresentam essa sensibilidade às condições iniciais são chamados "caóticos".
Assim, leis de evolução deterministas podem levar a comportamentos caóticos, inclusive na ausência de ruído ou de flutuações externas.
Um outro aspecto relevante é o fato de que a transição da ordem ao caos
dá-se através de sequências de bifurcações, isto é, de instabilidades.
A irreversibilidade diz respeito ao famoso problema da seta do tempo. As equações da física básica (mecânica, eletromagnetismo e mecânica quântica) são reversíveis. Por exemplo, consideremos um sistema
isolado de partículas e o deixemos evoluir durante um intervalo de tempo "t", então, se as velocidades de todas as partículas forem invertidas
exatamente e deixarmos o sistema evoluir o mesmo tempo "t", obteremos a situação do sistema original no instante inicial. Entretanto a nossa experiência diária não corrobora essa reversibilidade: um nadador
não retorna da piscina para o trampolim, o calor passa sempre do corpo
mais quente para o corpo mais frio, e não o contrário.
A segunda lei da termodinâmica formaliza a experiência cotidiana,
afirmando que toda transformação espontânea leva o sistema de um
estado de entropia mais baixa para um estado final de equilíbrio com
entropia mais elevada. Contudo a segunda lei da termodinâmica é incompatível com a reversibilidade da mecânica newtoniana. Isso se denomina o paradoxo do tempo.
Uma solução, baseada no cálculo de probabilidades, foi proposta por
Boltzmann no século 19. A idéia básica de Boltzmann foi introduzir
uma distinção entre as condições iniciais que levam a uma evolução na
direção do estado de equilíbrio e aquelas que conduzem ao afastamento. As primeiras, para Boltzmann, são muito mais numerosas do que as
últimas, de tal maneira que a lei do crescimento espontâneo da entropia
exprime uma propriedade estatística evidente: um estado menos provável deve evoluir espontaneamente em direção a um estado mais provável. Então, para Boltzmann, a entropia de um estado passa a ser uma
medida de sua probabilidade. Como consequência, a irreversibilidade
macroscópica da segunda lei se conciliaria com a reversibilidade microscópica da lei de Newton.
Prigogine discorda de que Boltzmann tenha fornecido uma solução
para o paradoxo do tempo. Para o autor, as estruturas dissipativas evidenciam "o papel criador fundamental dos fenômenos irreversíveis,
portanto também da seta do tempo". Probabilidade e leis deterministas, afirma Prigogine, complementam-se em nível macroscópico: uma
solução oscilante longe do equilíbrio aparece a partir de um ponto de
bifurcação e, outras instabilidades, a partir desta.
O autor nos propõe que "a seta do tempo tem o papel de criar estruturas". Dessa maneira, Prigogine contesta a visão usual de que fenômenos
irreversíveis "se reduzem a um aumento de "desordem", como se pensava tempos atrás, mas, ao contrário, têm um papel construtivo".
O restante do livro é extremamente técnico. Em linhas gerais, o autor
sustenta que, diversamente do usual, a formulação da dinâmica para
sistemas caóticos deva ser feita por meio de uma abordagem estatística
de base probabilística e que se deva eliminar a noção de trajetória da
descrição microscópica. Assim procedendo, "para os sistemas instáveis, as leis fundamentais da dinâmica clássica (ou quântica) são formuladas em termos de evolução de "probabilidade". E é nesse nível que
podemos esclarecer as leis do caos e descrever as mudanças que a instabilidade e o caos introduzem em nossa visão de mundo".
Os conteúdos apresentados neste livro tratam de aspectos fundamentais da ciência, com importantes consequências para a epistemologia.
Os resultados incluídos resumem tópicos tratados em pesquisas em
curso, sendo publicados em revistas internacionais arbitradas e de excelente nível. Mas o leitor deverá estar atento para o fato de que esses resultados não são definitivos. Aliás, há que enfatizar que as idéias apresentadas neste livro têm defensores bem como opositores, igualmente
competentes, na comunidade científica, em um debate salutar para a
construção da ciência.
Nelson Fiedler-Ferrara é professor do Instituto de Física da USP e co-autor de "Caos
-Uma Introdução" (Edgard Blücher).
As Leis do Caos
Ilya Prigogine
Tradução: Roberto Leal Ferreira
Ed. Unesp (Tel. 0/xx/11/3242-7171)
110 págs., R$ 17,00
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