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Feijó na vanguarda
JORGE CALDEIRA
Publiquei obras de Diogo Antonio Feijó há muito
esquecidas. Ainda impressionam: a autora do artigo
ao lado, até então, jamais escrevera uma linha sobre
ele; agora estréia no ramo. Como não li seu texto, você leitor está mais informado que eu sobre suas posições. Flutuando na incerteza, proponho a análise
desta proposição: "Feijó é atrasado; vai a cavalo do
Rio para São Paulo, quando é mais rápido viajar de
avião". Contém uma forma lógica boa para culpar
ancestrais por aquilo que se vê hoje, mas ruim para
fazer história. O erro pode ser evitado por comparações de época. Para o tempo de Feijó (basicamente a
década de 1830), o quadro era o seguinte:
1. Onde havia eleições? Em quatro países no planeta: França (eleição para uma Câmara baixa de poderes limitados; o rei comandava o Executivo e nomeava o Senado); Inglaterra (eleição para um Parlamento que fazia leis e comandava o Executivo; a Câmara
alta era para titulados); Brasil (eleição para uma Câmara que comandava o Executivo, e lista tríplice de
onde saía um senador); EUA, onde presidente e legisladores eram eleitos. No resto da Europa havia
monarquias absolutas; no resto da América, repúblicas com poderes absolutos. Assim, as comparações,
daqui para a frente, se restringem aos três outros países onde havia representação.
2. Quem votava e era eleito? Poucos homens. Na
França, até 1830, votavam proprietários pagadores
de mais de 300 francos de imposto (90 mil pessoas
em 30 milhões); daí em diante, quem pagava mais de
200 francos (200 mil pessoas). Na Inglaterra, só podiam ser eleitos proprietários com renda maior que
600 libras (5 contos de réis em moeda brasileira da
época); votavam apenas alguns proprietários (até
1832, 80 mil pessoas numa população de 15 milhões);
o voto distrital favorecia os rincões do campo -a representação da despovoada Cornualha era dez vezes
maior que a de Londres; com a reforma de 1832, esta
disparidade diminuiu, e o número de eleitores passou para 220 mil. Nos EUA, as franquias eram estaduais, mas em geral votavam apenas proprietários
brancos (não-proprietários, escravos, negros livres e
índios estavam fora) com renda. No Brasil, votava
todo cidadão com renda maior que 100 mil réis (não-proprietários, negros livres, analfabetos e naturalizados inclusive) e podia ser eleito deputado quem tivesse renda maior que 400 mil réis (8% do valor da
franquia inglesa); não há contagens de votos completas, mas com certeza a participação era das maiores do mundo na época.
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Voto aberto
3. Como se votava? Sempre com voto aberto, sujeito a pressões. No interior da Inglaterra, o grande
proprietário de terras mandava em seus currais; a reforma de 1832 diminuiu o número dos eleitos desta
forma, não a pressão. Nos EUA havia currais e pressão na hora de votar; além disso as listas de candidatos (os únicos que podiam receber votos) saíam de
reuniões chamadas caucases (literalmente, conchavos) -o comando da vida política estava inteiramente nas mãos de um pequeno grupo no interior
do pequeno grupo de eleitores; o vencedor distribuía
dinheiro e contratos entre apaniguados (dizia Mark
Twain: "Temos o melhor Congresso que o dinheiro
pode comprar"). No Brasil o voto era aberto, sem listas, e os controles sobre a vontade dos eleitores os
mesmos de qualquer outro lugar.
Na América, havia ainda um problema para liberais antiescravistas: ninguém sabia como efetivamente acabar com o mal; abolições só vieram na segunda metade do século. Como se pode ver, Feijó estava na vanguarda do tempo, e não apenas no Brasil.
Depois, outros países progrediram mais. O voto universal masculino secreto chegou na metade do século. Já o princípio "uma cabeça, um voto" se realizou
na década de 20 deste século -quando se podia ir
votar de avião. O atraso veio depois de Feijó. A idéia
de atribuir a ele a falta de solução de problemas que,
em seu tempo, ninguém resolveu, é maluquice. Melhor é ler seus textos originais, para lembrar um brasileiro que estava na vanguarda mundial da democracia em sua era.
Jorge Caldeira é doutor em ciência política pela USP e organizador
de "Diogo Antonio Feijó" (Editora 34).
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