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Metal colorido
A trajetória do escultor Franz Weissmann
Franz Weissmann
Sonia Salzstein
Cosac & Naify
(Tel. 0/xx/11/3218-1444)
128 págs., R$ 43,00
NELSON AGUILAR
A coleção "Espaços da Arte Brasileira" sacode o marasmo da história cultural mediante uma série
de monografias sobre arquitetos e
artistas plásticos. Dezesseis títulos
foram publicados. Trata-se de estudos que se movem entre a pesquisa e a divulgação, acompanhados por iconografia farta e competente. A qualidade das imagens
exige do comentador desempenho à altura.
Coube a Sonia Salzstein a difícil
tarefa de acompanhar a obra do
escultor Franz Weissmann. Principia pela análise do "Cubo Vazado", obra capital da segunda metade do século 20 brasileiro, na
qual o invisível é mais forte que o
visível, pois um dado vazio vibra
no interior de uma construção
maciça de metal. Há a necessidade de inserir a façanha dentro do
registro da história da arte para
avaliá-la corretamente. Sem a
consideração do conjunto de edificações da Pampulha, desenhadas por Oscar Niemeyer entre
1941 e 1945, torna-se difícil perceber a vocação abstrato-geométrica dos melhores artistas vindos de
Minas Gerais, como o próprio
Weissmann, Amílcar de Castro,
Lygia Clark, Mary Vieira.
A forma do Cassino, hoje Museu de Arte, reúne "leveza, desligamento do solo e das condições
materiais" (Joaquim Cardozo).
Belo Horizonte torna-se a cidade-laboratório da arquitetura moderna, vislumbre de Brasília, comandada pelo maior empreendedor oficial de obras da história nacional, Juscelino Kubitschek.
O "Cubo" significa um salto à
frente, numa carreira pontuada
ora pelo mestre August Zamoyski, cujas preferências tendem para
o naturalismo exuberante, inspirado em Maillol, ora por um despojamento decorativo em que
Henry Moore se dissolve em arabescos desembocando em Bruno
Giorgi.
A autora vê a recusa do "Cubo"
pelo júri da 1ª Bienal de São Paulo
(1951) como um padrão para aferir a arte brasileira. A decisão teria
sido tomada pelo mau acabamento da peça. Torna-se problemático analisá-la: a primeira versão
desapareceu e a atual possui material e dimensões diversos.
A 1ª Bienal premiou a famosa
"Unidade Tripartida", de Max
Bill, brilhante, de aço inoxidável,
que propicia um poderoso contraste ao sólido de latão e repleto
de pontos de solda apresentado
por Weissmann. A recompensa
ao artista suíço, mais do que descoberta, representa uma consagração ao êxito de sua exposição
que congraçou todas as vontades
construtivas do país, ocorrida no
ano anterior no Museu de Arte de
São Paulo sob iniciativa do diretor
Pietro Maria Bardi.
A meu ver, o que atesta mais as
dificuldades que atravessam a arte brasileira em meados da década
de 50 é o movimento pendular do
escultor entre a figuração e a abstração. A adesão ao grupo Frente,
versão carioca do concretismo, e
o regresso ao Rio de Janeiro, depois de dez anos de residência em
Belo Horizonte, liquidam a oscilação a favor da geometria.
Um dos grandes achados da
pesquisa diz respeito à descoberta
da proveniência dos módulos empregados em algumas peças. Em
visita às antigas instalações da fábrica de carrocerias, propriedade
da família do artista, a autora recolhe a informação de que "as
chapas de ferro com o círculo vazado parecem ter se originado das
sobras da produção de respiradouros de ônibus". "Ponte"
(1958), "Coluna Neoconcreta"
(1958-1997) adquirem então o estatuto de "ready made" assistido,
lançando luz inesperada nos
meios de produção da abstração
absoluta nativa.
A reviravolta
Tudo se encaminharia para o
"gran finale" iluminista se não
ocorresse uma reviravolta na carreira de Weissmann quando parte para a Europa, em 1959, beneficiando-se do prêmio de viagem
ao exterior outorgado pelo 7º Salão Nacional de Arte Moderna. O
impacto das incisões de Lucio
Fontana na Documenta 2 de Kassel abala as certezas adquiridas. O
artista troca regra, esquadro e
compasso pela marreta e usa chapas de metal como "sparring". A
série dos "Amassados" advém
dessa técnica, em que um drapejado angustiante agride a superfície metálica. Ele cobre as paredes
do apartamento parisiense cedido
pelo colega Frans Kracjberg com
papel preto amassado. Vive a vertigem informal a fundo. O melhor
escultor nacional da 4ª Bienal de
São Paulo, onde erige a "Coluna
Concretista" com módulos quadrados repetidos alternativamente, semelhante a uma música serial, se dispõe a dialogar com Burri, Tapiès, "action painting".
O movimento neoconcreto afirma-se sem sua colaboração e a de
Mário Pedrosa. A posição do crítico ajuda a esclarecer a conjuntura. Pedrosa reside por um ano no
Japão estudando a relação entre a
caligrafia sinojaponesa moderna
e a arte abstrata do Ocidente. Por
esse motivo é capaz de apreciar a
aparição de Manabu Mabe na 4ª
Bienal de São Paulo sem se envolver na querela neoconcreta.
A retomada da abstração geométrica só acontece quando volta
ao Brasil, a partir de 1965. A participação da crítica Maria Eugenia
Franco, com quem passa a conviver, nesse processo de reorganização formal é decisiva. No momento em que os artistas rendem
homenagens às companhias
constantes (Christo a Jean-Claude, Claes Oldenburg a Coosje, Richard Serra a Clara e, a título experimental e sob minha responsabilidade, Louise Bourgeois a seu finado marido, o especialista em
arte primitiva Robert Goldwater),
os historiadores devem mencionar os parceiros de criação.
Sonia Salzstein desenvolve um
parâmetro estimulante entre o fazer de Weissmann e o de Amílcar
de Castro, entre as gerações. O artista naturalizado, de origem austríaca, superada a crise dos 50,
confirma a confiança na urbanidade pela reiteração do quadrado
como padrão, como módulo. A
construção de um plano perfeito,
regular, rememora a utopia de
Mondrian, a proposta da arte como um veículo de integração com
a sociedade industrial moderna.
Amílcar não pactua com essas aspirações, mantendo a natureza, a
materialidade dos suportes. O escultor mineiro sente a necessidade de um embate físico, corporal,
denso com o aço. Dobra e corta
como o colega, mas apenas para
entrever um ruído de paisagem,
uma réstia de fonte luminosa, forçar o visitante ao desvio. Haveria
um contato pelas bordas, quando
o imigrado fez sua Nekyia à beira
da terra natal praticando um expressionismo que acena a Iberê
Camargo.
Resta a questão da cor prevalente em suas peças a partir de 1967 e
que ressoa como sacrilégio para o
rigoroso depurador de formas
que só se contentava com as luzes
da matéria. Pevsner e Tatlin não
cuidaram de maquiar o alumínio,
o vidro, a madeira, no máximo,
poliam, envernizavam, limpavam
para realçarem a evidência da manifestação. A cor em Weissmann
carrega o último vestígio da ressaca informal, a maneira pela qual
incorpora a si próprio no movimento elegante de seus produtos
industrializados.
Nelson Aguilar é professor de história da arte na Universidade Estadual de
Campinas e curador-geral da 4ª Bienal
do Mercosul.
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