São Paulo, sábado, 11 de maio de 2002

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Metal colorido

A trajetória do escultor Franz Weissmann

Franz Weissmann
Sonia Salzstein
Cosac & Naify
(Tel. 0/xx/11/3218-1444)
128 págs., R$ 43,00

NELSON AGUILAR

A coleção "Espaços da Arte Brasileira" sacode o marasmo da história cultural mediante uma série de monografias sobre arquitetos e artistas plásticos. Dezesseis títulos foram publicados. Trata-se de estudos que se movem entre a pesquisa e a divulgação, acompanhados por iconografia farta e competente. A qualidade das imagens exige do comentador desempenho à altura.
Coube a Sonia Salzstein a difícil tarefa de acompanhar a obra do escultor Franz Weissmann. Principia pela análise do "Cubo Vazado", obra capital da segunda metade do século 20 brasileiro, na qual o invisível é mais forte que o visível, pois um dado vazio vibra no interior de uma construção maciça de metal. Há a necessidade de inserir a façanha dentro do registro da história da arte para avaliá-la corretamente. Sem a consideração do conjunto de edificações da Pampulha, desenhadas por Oscar Niemeyer entre 1941 e 1945, torna-se difícil perceber a vocação abstrato-geométrica dos melhores artistas vindos de Minas Gerais, como o próprio Weissmann, Amílcar de Castro, Lygia Clark, Mary Vieira.
A forma do Cassino, hoje Museu de Arte, reúne "leveza, desligamento do solo e das condições materiais" (Joaquim Cardozo). Belo Horizonte torna-se a cidade-laboratório da arquitetura moderna, vislumbre de Brasília, comandada pelo maior empreendedor oficial de obras da história nacional, Juscelino Kubitschek.
O "Cubo" significa um salto à frente, numa carreira pontuada ora pelo mestre August Zamoyski, cujas preferências tendem para o naturalismo exuberante, inspirado em Maillol, ora por um despojamento decorativo em que Henry Moore se dissolve em arabescos desembocando em Bruno Giorgi.
A autora vê a recusa do "Cubo" pelo júri da 1ª Bienal de São Paulo (1951) como um padrão para aferir a arte brasileira. A decisão teria sido tomada pelo mau acabamento da peça. Torna-se problemático analisá-la: a primeira versão desapareceu e a atual possui material e dimensões diversos.
A 1ª Bienal premiou a famosa "Unidade Tripartida", de Max Bill, brilhante, de aço inoxidável, que propicia um poderoso contraste ao sólido de latão e repleto de pontos de solda apresentado por Weissmann. A recompensa ao artista suíço, mais do que descoberta, representa uma consagração ao êxito de sua exposição que congraçou todas as vontades construtivas do país, ocorrida no ano anterior no Museu de Arte de São Paulo sob iniciativa do diretor Pietro Maria Bardi.
A meu ver, o que atesta mais as dificuldades que atravessam a arte brasileira em meados da década de 50 é o movimento pendular do escultor entre a figuração e a abstração. A adesão ao grupo Frente, versão carioca do concretismo, e o regresso ao Rio de Janeiro, depois de dez anos de residência em Belo Horizonte, liquidam a oscilação a favor da geometria.
Um dos grandes achados da pesquisa diz respeito à descoberta da proveniência dos módulos empregados em algumas peças. Em visita às antigas instalações da fábrica de carrocerias, propriedade da família do artista, a autora recolhe a informação de que "as chapas de ferro com o círculo vazado parecem ter se originado das sobras da produção de respiradouros de ônibus". "Ponte" (1958), "Coluna Neoconcreta" (1958-1997) adquirem então o estatuto de "ready made" assistido, lançando luz inesperada nos meios de produção da abstração absoluta nativa.

A reviravolta
Tudo se encaminharia para o "gran finale" iluminista se não ocorresse uma reviravolta na carreira de Weissmann quando parte para a Europa, em 1959, beneficiando-se do prêmio de viagem ao exterior outorgado pelo 7º Salão Nacional de Arte Moderna. O impacto das incisões de Lucio Fontana na Documenta 2 de Kassel abala as certezas adquiridas. O artista troca regra, esquadro e compasso pela marreta e usa chapas de metal como "sparring". A série dos "Amassados" advém dessa técnica, em que um drapejado angustiante agride a superfície metálica. Ele cobre as paredes do apartamento parisiense cedido pelo colega Frans Kracjberg com papel preto amassado. Vive a vertigem informal a fundo. O melhor escultor nacional da 4ª Bienal de São Paulo, onde erige a "Coluna Concretista" com módulos quadrados repetidos alternativamente, semelhante a uma música serial, se dispõe a dialogar com Burri, Tapiès, "action painting".
O movimento neoconcreto afirma-se sem sua colaboração e a de Mário Pedrosa. A posição do crítico ajuda a esclarecer a conjuntura. Pedrosa reside por um ano no Japão estudando a relação entre a caligrafia sinojaponesa moderna e a arte abstrata do Ocidente. Por esse motivo é capaz de apreciar a aparição de Manabu Mabe na 4ª Bienal de São Paulo sem se envolver na querela neoconcreta.
A retomada da abstração geométrica só acontece quando volta ao Brasil, a partir de 1965. A participação da crítica Maria Eugenia Franco, com quem passa a conviver, nesse processo de reorganização formal é decisiva. No momento em que os artistas rendem homenagens às companhias constantes (Christo a Jean-Claude, Claes Oldenburg a Coosje, Richard Serra a Clara e, a título experimental e sob minha responsabilidade, Louise Bourgeois a seu finado marido, o especialista em arte primitiva Robert Goldwater), os historiadores devem mencionar os parceiros de criação.
Sonia Salzstein desenvolve um parâmetro estimulante entre o fazer de Weissmann e o de Amílcar de Castro, entre as gerações. O artista naturalizado, de origem austríaca, superada a crise dos 50, confirma a confiança na urbanidade pela reiteração do quadrado como padrão, como módulo. A construção de um plano perfeito, regular, rememora a utopia de Mondrian, a proposta da arte como um veículo de integração com a sociedade industrial moderna. Amílcar não pactua com essas aspirações, mantendo a natureza, a materialidade dos suportes. O escultor mineiro sente a necessidade de um embate físico, corporal, denso com o aço. Dobra e corta como o colega, mas apenas para entrever um ruído de paisagem, uma réstia de fonte luminosa, forçar o visitante ao desvio. Haveria um contato pelas bordas, quando o imigrado fez sua Nekyia à beira da terra natal praticando um expressionismo que acena a Iberê Camargo.
Resta a questão da cor prevalente em suas peças a partir de 1967 e que ressoa como sacrilégio para o rigoroso depurador de formas que só se contentava com as luzes da matéria. Pevsner e Tatlin não cuidaram de maquiar o alumínio, o vidro, a madeira, no máximo, poliam, envernizavam, limpavam para realçarem a evidência da manifestação. A cor em Weissmann carrega o último vestígio da ressaca informal, a maneira pela qual incorpora a si próprio no movimento elegante de seus produtos industrializados.


Nelson Aguilar é professor de história da arte na Universidade Estadual de Campinas e curador-geral da 4ª Bienal do Mercosul.



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