São Paulo, sábado, 12 de maio de 2001

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A era do genoma



Decifrando o Genoma
Kevin Davies
Tradução: Rosaura Eichenberg
Cia. das Letras (Tel. 0/xx/11/3846-0801)
470 págs., R$ 36,00


Após o anúncio conjunto de Craig Venters e Francis Collins, dizendo que o trabalho de sequenciamento do genoma humano tinha sido completado, a breve história da genômica humana sofreu uma profunda inflexão. No auge de uma trajetória que já dava sinais de indisfarçável euforia, as perspectivas deterministas se viram por terra. O reducionismo está questionado como chave para todas as explicações causais das características humanas, sejam elas biológicas, como o tipo sanguíneo, ou socioeconômicas, como o desemprego ou a felicidade. Isso pode ter causado a impressão de que os relatos do desenvolvimento das pesquisas na área tenham caducado do dia para a noite. Davies nos diz que a loteria entre os cientistas estava recolhendo apostas sobre o número de genes: as menores eram de 40 mil genes; as maiores ultrapassavam em muito os 120 mil! O relato entusiasmado de Davies demonstra como a realidade pode nos pregar peças. Neste livro, de tradução muito bem cuidada, aliás, é possível perceber um resgate dos primórdios da genômica, remontando até mesmo às primeiras querelas em torno da elucidação da estrutura molecular do DNA, que envolveram James Watson, Francis Crick e Rosalind Franklin. Os capítulos se sucedem mostrando qual a relação entre os estudos sobre os problemas de colesterol de uma comunidade isolada da costa sudoeste dos EUA e a disputa pelas máquinas sequenciadoras Prism 3.700 produzidas pela Applied Biosystems, de importância vital para completar a tarefa do sequenciamento. No final do livro, Davies aponta para a perspectiva proteômica, o próximo passo da caminhada de elucidação de como os pouco mais de 30 mil genes que a realidade nos reservou podem originar algo em torno de 1 milhão de proteínas diferentes no organismo humano. Trata-se de um livro obrigatório para compreender como caminham os limites do conhecimento humano no século 21.



Gestão da Vida?
Marcelo Valle de Sousa (org.)
Bluhm/UnB (Tel. 0/xx/21/580-1168)
144 págs., R$ 16,00


Muitas pessoas pensam que a competência de realizar pesquisa científica não é relevante para o currículo de muitos profissionais, em especial de professores. Neste livro podemos ver quão equivocada é essa visão. Conhecer as técnicas utilizadas no sequenciamento de DNA, perceber as dificuldades inerentes ao de proteínas, é fundamental para compreender a forma como caminha a produção de conhecimento biológico hoje. Para um professor que queira manter sua condição de intelectual, esse conhecimento é essencial. Este livro, no entanto, não se dirige especificamente a professores, mas ao público em geral e nisso reside sua grandeza e sua pequenez. A primeira parte deve ser saltada, dada sua excessiva simplificação. Mas a grandeza do livro aparece em seguida, quando a descrição das técnicas envolvidas no sequenciamento de DNA são apresentadas e discutidas, de forma acessível ao leigo. A necessidade de sequenciar proteínas aparece como consequência lógica dos problemas que são apresentados, como se os autores antevissem que a estimativa com que trabalhavam (e que é citada ao longo do livro, 100 mil genes) estava inflacionada. Agora que sabemos que a realidade reservou pouco menos de um terço desse total, a necessidade de trabalho com proteínas é ainda mais evidente. Nesse sentido percebe-se a importância do trabalho pioneiro do professor Lauro Morhy, que apresenta o livro, verdadeiro visionário. Ele liderou uma equipe que levou cinco anos fazendo o primeiro sequenciamento protéico do Brasil numa época em que não existiam equipamentos automatizados e nem mesmo espectrômetros de massa, de uso obrigatório hoje em dia. Naquela época muitos não entendiam por que essa pesquisa era necessária; hoje todos se perguntam por que ela não começou antes. Este pequeno livro nos dá pistas importantes, mostrando, ao seu final, como a bioinformática é indispensável nessa tarefa.



De Volta ao Éden
Lee M. Silver
Tradução: Dinah de Abreu Azevedo
Mercuryo (Tel. 0/xx/11/5531-8222)
316 págs., R$ 35,00


"O que devo fazer? Eu me divorciei de meu marido, mas ele é meu pai e, ao mesmo tempo, meu irmão". Imagine-se que esta seja uma consulta a um programa de rádio, em uma tarde qualquer do ano 2045, sem nenhum sentido figurado. Estamos diante de um quadro típico da ficção que inspira o livro de Lee Silver, imerso em problemas éticos e especulações sobre as possibilidades éticas que serão abertas para as novas gerações da época dos clones e da manipulação genética dos embriões humanos. Sua posição é francamente favorável -na verdade quase laudatória- à assim chamada eugenia positiva, o incentivo às formas mais perfeitas, ou, como preferem muitos, "sem defeitos genéticos". Não há dúvida de que livrar a humanidade dos defeitos hereditários seja uma vantagem; a dúvida aparece no momento em que se deve decidir o que de concreto deve ser eliminado junto aos males abstratos. Houve tempo em que os próprios portadores -evidentes ou presumidos- eram as vítimas da discriminação, que poderia incluir inclusive a eliminação física. O futuro nos reserva situações difíceis de prever, que são muito exploradas nesse livro. No entanto uma coisa é certa: o futuro será inglório para quem se esquecer do passado. E o nosso passado é o grande ausente desse livro que pretende retornar ao Éden. O risco de pretender retornar aos jardins sem pecado é errar o caminho e acabar no inferno e reviver práticas sociais das quais a humanidade ainda hoje se envergonha.

NELIO BIZZO


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