São Paulo, Sábado, 12 de Junho de 1999 |
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O Malta viu tudo
YANET AGUILERA
As análises da produção de dois fotógrafos brasileiros retomam à sua maneira a questão da imagem como documento. Antonio Ribeiro de Oliveira Jr. apresenta os belos clichês de Augusto Malta, testemunhos das transformações do Rio no começo do século, enquanto Amarildo Carnicel refaz, depois de 60 anos, o itinerário e as fotos do turista aprendiz Mário de Andrade, com a finalidade de mostrar as semelhanças, alterações e desaparecimento das paisagens brasileiras visitadas pelo crítico. Embora uma grande parte dos artigos da coletânea -dos quais o espaço exíguo de que disponho não permite tratar como desejaria- seja favorável à utilização da imagem como documento, ela dá espaço para os que se posicionam contra essa tese. Ao criticar o teor essencialista das teorias de Roland Barthes, André Bazin ou Philippe Dubois, Antonio Fatorelli desqualifica o problema da ligação entre fotografia e realidade, enfatizando uma outra questão: a reflexão sobre o fato de ela ter ajudado a "criar novas formas de percepção e uma nova subjetividade". Arlindo Machado e Lucia Santaella tematizam a relação entre fotografia e imagens eletrônicas, postulam o esfacelamento da idéia de referente e refletem sobre as consequências desse desaparecimento. Os ataques visam os resíduos da idéia de referente fotográfico, defendida por Philippe Dubois e Rosalind Kraus, e mantida apesar das denúncias que o desconstrutivismo dos anos 70 (os "Cahiers du Cinèma" e Susan Sontag) fizera sobre o aspecto absolutamente convencional da fotografia. Como já não parece ser possível diferenciar uma fotografia de uma imagem digital e como esta última pode ter um referente virtual, a relação entre fotografia e realidade perderia não apenas credibilidade, mas o seu próprio sentido de ser. O que a fotografia representou para a pintura, a imagem eletrônica representaria para a fotografia -a libertação do casulo mimético. Estaríamos na época da imagem pós-fotográfica, em que a previsibilidade, virtualidade, simulação, funcionalidade e eficácia substituiriam os conceitos de memória e documento envolvidos na imagem fotográfica. Para aqueles que acreditam, apesar de tudo, na possibilidade de uma antropologia visual ou num vínculo da fotografia com a realidade, o leitor ainda poderá encontrar, como contraponto à radicalidade dessa visão desconstrutivista, o ensaio de Boris Kossoy. Essa análise, que também pensa a tecnologia digital dentro do universo das imagens, sustenta que todas essas novidades tecnológicas apenas deixam mais evidente o jogo entre ficção e realidade, com "suas múltiplas facetas e infinitas imagens", que toda e qualquer reconstituição sempre pressupõe. De fato, sabe-se que é inútil negar as consequências que a tecnologia digital trouxe para o mundo atual, mas talvez seja preciso um pouco de lucidez para não se perder na louvação ingênua das vantagens que ela parece representar. Já é velha e questionável a valorização da técnica como progresso esclarecedor, assim como já é suficientemente conhecida a contundente crítica frankfurtiana aos conceitos de eficácia e funcionalidade. Uma última palavrinha: é no mínimo curioso que um livro sobre fotografia, que faz mesmo uma defesa apaixonada da imagem, nem sempre dê a esta o relevo que mereceria e às vezes a deixe em segundo plano por excesso de texto. Yanet Aguilera é doutoranda em filosofia na USP. Texto Anterior: Abílio Guerra: A esfinge silenciosa Próximo Texto: Lorenzo Mammi: Dois olhares profanos Índice |
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