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Companheiro Magrão

Maior craque da história de Ribeirão foi o grande assunto na mídia desde domingo, mas pouco se falou sobre o socialismo de Cuba e o modelo de democracia defendidos pelo capitão de 82

LUÍS EBLAK
editor da “folha RIBEIRÃO”

Caso tivesse ido para Cuba, onde negociava um cargo na seleção de futebol daquele país, Magrão não queria ganhar mais do que o mínimo salário cubano. Contado pelo próprio Sócrates em seus últimos meses de vida, o desejo ilustra bem a personalidade e a ideologia do craque.

"Disso [receber o mesmo salário dos cubanos], não abro mão. Tenho que me sentir como um cubano, receber a mesma cesta básica", disse ao repórter Leandro Martins, desta Folha, em junho.

Seus amigos riram, mas ele não só falava sério como queria ser levado a sério.

Ídolo corintiano e botafoguense, Sócrates não cumpriu seu desejo. Morreu há uma semana -no mesmo dia em que o time paulistano, para o qual passou a torcer desde que lá jogou (1978-84), se sagrou campeão brasileiro.

Socialista convicto, o maior craque da história de Ribeirão Preto adorava falar de suas ideias políticas e não tinha vergonha de defender o regime ditatorial de Cuba.

"[Gosto do socialismo] Na essência. Meu filho mais novo se chama Fidel [homenagem ao ditador Fidel Castro]", disse Sócrates, numa longa entrevista dada a mim em 2009, e cuja parte de seu conteúdo se encontrava inédita. À época, ele ainda morava em Ribeirão -neste ano, se mudou para a capital paulista.

"[Cuba] É o símbolo de um sonho, do meu sonho, em que todo mundo tenha as mesmas oportunidades", completou.

PERVERSÃO HISTÓRICA

Sócrates sabia da dificuldade em defender o socialismo pós-queda do Muro de Berlim, em 1989. "Há uma perversão de imagens no socialismo, com alguma lógica na história, que são aquelas que derrotaram temporariamente o sonho do socialismo", disse, citando o ditador soviético Josef Stálin como uma dessas "perversões".

Enfatizou, porém, que em Cuba era diferente. Para ele, apesar da perseguição do governo de Havana a opositores e à imprensa, o socialismo de Cuba é democrático. "Ela tem uma estrutura política interessantérrima que ninguém gosta de vender. Regionaliza a participação popular e vai escolhendo seus representantes até chegar lá em cima."

Contrário à democracia liberal de países ocidentais, entre eles o Brasil, criticava sobretudo a alternância de nomes no poder. Por isso, defendeu naquele 2009 a permanência de Hugo Chávez no poder venezuelano após consulta popular. "Por que não? Se a população quiser, sim!"

Sócrates também gostava de falar de outras habilidades. Tinha orgulho de dizer que se formou em medicina na USP de Ribeirão, "uma das melhores escolas do país".

CHARME?

Apesar da genialidade em campo, dizia que o futebol foi um "acidente de percurso". "Eu me preparei para a medicina. Futebol, não." Era também músico, embora de reconhecimento quase inexistente. "[Lançamos] O disco 'Sócrates', pela RCA. Me ajudou a comprar o primeiro apartamento: 30 mil corintianos surdos compraram."

Sem contar as mulheres, a política era talvez sua grande paixão. Lutou pela democracia no país, quando participou das Diretas Já, movimento pró-eleições diretas para presidente em 1983-84, e no futebol, com a Democracia Corinthiana, grupo contra as concentrações e pela igualdade de poder entre atletas, dirigentes e funcionários.

Diferentemente da grande maioria dos jogadores, Sócrates ganhou consciência política depois de se tornar ídolo, segundo alguns de seus amigos. O médico cardiologista Said Miguel Júnior, que se formou com Sócrates na USP, disse à repórter Elida Oliveira, também desta Folha, que o lado político dele só foi aparecer quando entrou no Corinthians. "[Na faculdade] Ele era o mais alienado politicamente que havia."

FIAT VERDE

Como batia o pé para patrocinar seus ideais socialistas, Sócrates também não abria mão de defender pequenas "causas". Apesar da timidez assumida, durante cinco anos andou no Parque São Jorge com seu Fiat 147 verde, cor do rival Palmeiras. "Os corintianos ficavam putos."

Fez a torcida "esquecer" desse detalhe com suas jogadas magistrais, gols e títulos. "Só quando fui pra Itália [em 1984] dei o carro pro Raí", disse, referindo-se ao irmão, ainda anônimo na época.

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