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Entrevista Padre Chico

Eu não me arrependi de nada do que fiz até hoje

ARARIPE CASTILHO
DE RIBEIRÃO PRETO

CONHECIDO PELAS MUITAS POLÊMICAS, PÁROCO DA CATEDRAL DE RIBEIRÃO JÁ ENFRENTOU DE FIÉIS CONSERVADORES A POMBOS

Francisco Jaber Zanardo Moussa, 33, conhecido como padre Chico, é o tipo de personagem que se convencionou chamar de "polêmico". De fato, a trajetória do pároco da Catedral Metropolitana de São Sebastião, em Ribeirão Preto, é no mínimo cheia de histórias para contar.

Nascido em Cajuru, entrou para o seminário muito novo, aos 15 anos, e também bastante jovem, aos 27, assumiu a principal paróquia da cidade. Nela, desde o começo se envolveu em diversos atritos com parte dos fiéis.

Em conversa com a Folha ele deu detalhes de algumas polêmicas e falou da sua visão sobre alguns tabus da Igreja Católica. Leia os principais trechos da entrevista.

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Folha - O senhor tem protagonizado muitas polêmicas na catedral. De onde vem esse seu perfil?

Padre Chico - Quando jovem, eu sempre fiz questionamentos. [Desde 2003, quando entrei no seminário] Via a catedral formada por grupos que determinavam o cotidiano da igreja. Pareciam guetos, e isso sempre me deixou inconformado.

Depois, após passar por duas paróquias, me tornei secretário particular do arcebispo dom Arnaldo Ribeiro [antecessor de dom Joviano de Lima Júnior]. Isso me reaproximou da catedral.

Houve obstáculos?

A mentalidade era a seguinte: nada dá certo na catedral. Mas, em 2003, fui ordenado padre e o arcebispo me colocou como vigário. Aí, comecei a dar os primeiros passos. O vespeiro mesmo foi quando mexi nos ministros da eucaristia -alguns estavam na catedral havia 32 anos. Só que aumentei o número de ministros de 35 para 78. Com isso, o arcebispo viu que meu trabalho dava resultado e me tornei pároco, com apenas 27 anos.

Houve questionamentos também quanto aos grupos de casais. O que aconteceu?

Decidi dar abertura a um novo grupo de casais, os de segunda união. Tive muita resistência. Escreviam cartas anônimas, procuraram o arcebispo para protestar. Por preconceito, esses casais são marginalizados, mas não dá mais para pensar a igreja como há 2.000 anos.

Já precisou expulsar alguém da catedral?

Os pombos (risos). Havia o problema da frequência baixa de fiéis e era por conta da sujeira. Os pombos faziam da praça da catedral dormitório e banheiro. Daí, as pessoas pisavam no cocô [dos pássaros] e traziam a sujeira para dentro da igreja. Como o poder público não fazia nada, o arcebispo me pediu para resolver o problema.

Procurei o Ibama, falei que pretendia usar um repelente à base de uva que tinha dado resultado em Sertãozinho. Mas o produto não era autorizado pela Anvisa. O problema é que demoraram um ano para dar a palavra final.

Aí eu fiquei doido e comecei a soltar foguetes na praça para espantar os pombos.

O pessoal da feira, funcionários da paróquia e os taxistas me ajudaram e a gente soltou fogos todos os dias durante oito meses. Tive de aguentar muita coisa, fui chamado até no Ministério Público, disseram que eu estava matando pombos. Enquanto eu celebrava missa, vinha morador gritando dentro da igreja, me chamando de louco. Mas eu venci tudo isso e hoje não tem mais pombos nem cocô na praça.

E as máquinas para cartão de crédito e débito?

Teve também essa polêmica. Acontece que, pelo fato de a igreja receber doações espontâneas, as pessoas não conseguem ver a tecnologia ao lado de Deus. Coloquei a maquininha [como opção] para a pessoa pagar taxas [de casamento e batizado].

De onde surgiu a ideia de oferecer atendimento psicológico dentro da igreja?

Atendendo confissões, vi que muita gente não quer só acusar os pecados, quer também aconselhamento. Porém, algumas pessoas apresentam sintomas de depressão e nós, padres, não somos especialistas para tratar disso. Por que não ter um atendimento paralelo à confissão? Pedi a profissionais da comunidade uma ajuda com isso.

Como trata assuntos tabus para a igreja, como o do uso da camisinha?

Temos um problema pontual que é a Aids. Como vamos fechar os olhos para isso? O que a igreja faz são observações quanto à promiscuidade. Até que ponto o uso do preservativo não vai levar os jovens a se tornarem promíscuos? É para isso que chamamos a atenção.

Mas, em algum momento, o senhor já aconselhou o uso de preservativos?

Vivi várias situações até quanto ao método contraceptivo. Tinha um casal em que a esposa, se engravidasse, teria pré-eclâmpsia [aumento súbito na pressão arterial durante a gestação]. Eu disse a ela: procure o método menos agressivo. Orientei a esposa a procurar o ginecologista.

Mas esse tipo de orientação não ofende os dogmas da igreja?

Muito pelo contrário. Em nenhum momento a gente deixa de apresentar os dogmas da igreja.

Diante de todas as polêmicas, já pensou em mudar o seu jeito de ser?

Eu não me arrependi de nada do que fiz até hoje. Em algumas situações, é claro, a gente se questiona. Como toda pessoa, tenho momentos de desânimo. A fé tem altos e baixos. Se não fosse assim, como iríamos aprender a dar valor à graça de Deus?

Como é conviver com a castidade sendo ainda um jovem?

É normal. Procuro viver bem a minha castidade, ser um bom padre. Mas ainda assim, sou um homem, que tem interesse por mulheres.

Mas isso não é um problema para um padre?

Não existe uma autopunição. Entendo a castidade como uma opção. E procuro ver essa questão como algo natural, que na verdade não me afeta. Eu vejo a mulher como algo especial na minha vida. Tenho amizade com mulheres e também com homens, e é isso que me ajuda a viver bem a minha opção.

O senhor já traiu esse amor a Deus e, consequentemente, a sua castidade?

Até o momento, não. Por enquanto estou tranquilo e muito em paz, graças a Deus.

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