Índice geral Ribeirão
Ribeirão
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Violino linha-dura

Spalla da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto trocou a Moldova pelo Brasil e trouxe na bagagem o rigor soviético

Edson Silva/Folhapress
O violinista Denis Usov no Theatro Pedro 2º, em Ribeirão
O violinista Denis Usov no Theatro Pedro 2º, em Ribeirão

ELIDA OLIVEIRA
DE RIBEIRÃO PRETO

À frente de 53 músicos da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto, o spalla (primeiro violino) mais antigo do grupo, Denis Usov, 36, cobra rigor e disciplina à moda soviética: sim é sim, não é não. "Não gosto de burburinhos", falou o músico moldávio. "Eu não mando, sigo as regras."

Também pudera. Seu filme preferido é Tropa de Elite, disse à Folha. Aos 15 anos aprendeu na escola a desmontar em 40 segundos um fuzil Kalashnikov (AK-47).

Quando criança, desenterrava projéteis de armas em terrenos vazios da Moldova, que pertencia à antiga União Soviética. Estudava a trajetória dos tiros e a quantidade de pólvora que cabia neles.

Como spalla da orquestra de Ribeirão, Usov, há 13 anos no Brasil, é o responsável por dar o tom aos instrumentos -por isso, cobra perfeição.

Tal perfil e posição culminaram em um conflito quase bélico em 2009 com um dos músicos. "Ele me ofendeu em frente à orquestra, eu levantei e fui embora", contou.

Resultado: Usov levou uma advertência por ter deixado o ensaio e o músico, outra, por tê-lo ofendido. As relações ficaram estremecidas. De 2009 a 2011, Usov não foi spalla e outro violinista, Marcelo Soares, assumiu a posição.

Após a troca da diretoria da orquestra, anunciada no fim de 2010, aos poucos Usov voltou ao posto. Na apresentação do Réquiem de Mozart, em agosto de 2011, assumiu como spalla de novo.

DA EUROPA AO BRASIL

Em 1994, quando ainda morava na Moldova, Usov foi convidado para "spallar" o Réquiem de Mozart na Suíça, dentro de uma antiga igreja. Tinha 17 anos. "É uma obra fenomenal, dada para alguém inexperiente spallar."

Não demorou para virem os convites. Primeiro para trabalhar na orquestra da Suíça. Depois para Ribeirão Preto. "Eu pensei: na Suíça, minha mãe chega de trem. No Brasil, não. Só de avião", brincou. Escolheu o Brasil.

Em novembro de 1998, deixou uma temperatura de 37 graus negativos na Moldova e chegou em Ribeirão com 42 graus. Naquela viagem vieram outros 11 músicos: russos, romenos e ucranianos.

"Muitos passaram mal, o corpo inchava, faltava ar, tudo doía. Não tínhamos nem ar-condicionado", disse.

DIFERENÇA CULTURAL

Foi em terras tupiniquins que o músico erudito viu pela primeira vez um mendigo. "Não existia essa palavra no meu vocabulário", disse.

Também por aqui soube que havia analfabetos no mundo. "Isso, para mim, era inimaginável. Eu nunca paguei nenhum centavo para a minha formação e sou top de linha. No comunismo, todos têm educação de qualidade."

Usov disse que não teve dificuldade em aprender a falar português. Mas houve episódios cômicos na adaptação.

Nos primeiros dias, só sabia falar cerveja e obrigado. "Cheguei no bar e pedi: uma cerveja. Aí me perguntaram de qual marca. Sem entender, respondi: obrigado. E fui."

"Na padaria, comprava sempre três pães. Mas uma das atendentes nunca entendia, me dava dez. Um dia cansei: pedia dois, depois comprava mais um", contou.

HERANÇA

Na Moldova, conta Usov, era comum ter musicistas nas famílias. Ele diz que a avó, que tinha uma livraria, juntou dinheiro para comprar um violino para ele. Em tempos de regime comunista, isso era um grande feito. "Ela conseguiu US$ 70 mil."

Mas a reforma econômica de Mikhail Gorbatchov no fim dos anos 1980 fez com que a quantia quase desaparecesse. "Comprei quatro fitas cassete virgens", disse.

A mãe dele, Victoria Furnica, que foi bailarina do Teatro Bolshoi, guardou dólares clandestinamente e comprou o violino que ele usa até hoje. Neste ano, ela virá ao Brasil pela primeira vez.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.