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Diplomacia das letras

Ex-embaixador do Brasil, diplomata Lauro Moreira é o novo presidente da biblioteca Padre Euclides

ELIDA OLIVEIRA
DE RIBEIRÃO PRETO

"Pode, às vezes, ser mais vantajoso defender a quadratura da terra, mas nem por isso ela deixa de ser redonda." Se Lauro Moreira, 72, fosse um livro, ele não se restringiria a um único volume. A frase acima, criada por ele, seria a epígrafe mais apropriada.

Ele já foi ator, diretor, embaixador, consultor de comércio exterior, e, agora, é o presidente da biblioteca Padre Euclides, há 109 anos em Ribeirão Preto.

Para chegar até aqui, a vida dele tem passagens que preencheriam páginas de histórias, como a do menino que nasceu em Anápolis (GO) e foi morar em um internato aos 10 anos no Colégio São Bento, em São Paulo, em 1950. "Eu que quis ir."

Ou a aventura do jovem que nos anos 1960 entrou na faculdade de direito e se encantou com o teatro com a poetisa Marly de Oliveira.

Ainda haveria conteúdo para um livro sobre a guinada, do direito à diplomacia, até se tornar embaixador.

Nessa carreira, passou por Buenos Aires, Genebra, Barcelona, Washington, Rabat (Marrocos) e Lisboa.

Nesses países, Moreira priorizava a arte. "Sempre achei que promover a cultura é o instrumento fundamental da diplomacia, porque abre portas", falou.

O espetáculo que abrirá a Feira do Livro de Ribeirão deste ano foi criação de Moreira, quando estava em Barcelona. "Solo Brasil" nasceu do projeto "Som Brasil", feito na década de 1990 para explicar aos espanhóis a música brasileira em blocos que iam de Chiquinha Gonzaga a Chico Buarque. Em 24 de maio, às 19h, ele será apresentado no Theatro Pedro 2º.

500 ANOS DO BRASIL

Moreira foi o presidente da comissão nacional para as comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil, que unia 17 ministérios, senadores, deputados estaduais e até ministro do Supremo.

"Queria propor uma reflexão crítica, com exposições feitas em países importantes para a história do Brasil, como França, Holanda, Israel, Japão. Mas virou um pesadelo", conta.

Na história de Moreira, o anti-herói foi Rafael Greca (PMDB), ex-ministro de Ciência e Turismo. Hoje pré-candidato à Prefeitura de Curitiba, Greca presidiu o comitê executivo para as festas dos 500 anos, que corria em paralelo à comissão nacional.

As divergências com Greca fizeram com que Moreira propusesse o fim da comissão, que naquela altura já tinha 460 projetos aprovados.

A Nau Capitânia, que deveria navegar por todo o litoral do país, recebeu R$ 2,3 milhões do comitê para ser executada, segundo Moreira.

Quando ela encalhou na Bahia, houve troca de acusações. Moreira disse que aprovou só a inclusão da nau no calendário oficial do evento, mas não o recurso. Já Greca disse à Folha que fez o repasse porque o presidente em exercício à época, o hoje senador Marco Maciel (DEM-PE), aprovou.

AMIGOS LITERATOS

Ser jovem no Rio nos anos 1960 fez com que Moreira convivesse com figuras como Aurélio Buarque de Hollanda e Antônio Houaiss. Clarice Lispector e Manuel Bandeira foram, inclusive, padrinhos do casamento dele com a poetisa Marly de Oliveira.

No Itamaraty, Moreira conviveu com João Cabral de Melo Neto e Guimarães Rosa. "Sempre tive por Rosa uma admiração consciente, sabia que conviva com um gênio."

Rosa, diplomata conservador, segundo Moreira, se interessou em ler um discurso escrito por ele para a formatura, que nunca aconteceu.

O discurso da turma -a mesma do ministro da Defesa Celso Amorim, no Instituto Rio Branco- foi censurado porque tratava de temas como justiça e desigualdade social em plena Guerra Fria.

A epígrafe do início deste texto foi colocada no discurso após a censura. Ao lê-lo, Rosa perguntou a Moreira: "Mas Lauro, e se a terra não for redonda?", conta.

"Rosa era assim, questionador. E se as minhas certezas não fossem corretas?", contou. Mas, ao fim da leitura, Rosa veio parabenizá-lo.

"Ele estava com aquela gravatinha borboleta, me procurando em uma posse de ministro, e me disse: 'Ninguém de boa fé pode ser contra esse discurso'."

Moreira mora em Ribeirão Preto há dois anos. Escolheu a cidade porque aqui vive a família da segunda esposa, Liana Siqueira. Mas a alma inquieta às vezes se cansa.

"Que não nos ouçam, mas me espanta que Ribeirão Preto tenha tanto desequilíbrio entre a pujança econômica e a indigência cultural."

Na Padre Euclides, ele diz que pretende tornar a biblioteca "mais evidente". "Quero divulgar a história dessa instituição centenária."

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