Ribeirão Preto, Domingo, 09 de Outubro de 2011

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Arte tumular

Opulência das esculturas em mármore de jazigos tenta perpetuar o poder além da morte; Condephat de Franca tomba 18 sepulturas históricas dos séculos 19 e 20

JULIANA COISSI
DE RIBEIRÃO PRETO

A virgem Maria, em prantos, abraça o túmulo de José Garcia Duarte, conhecido como o Barão da Franca, importante proprietário de fazendas de café da região na segunda metade do século 19.
Tochas cruzadas em alto relevo no mármore de Carrara, ladeadas por anjos, indicam o lugar onde está enterrado Gabriel, o filho do capitão-mor Francisco Antônio Diniz Junqueira, oficial militar responsável pelas tropas em Franca.
O esforço em demonstrar a opulência de uma classe social e perpetuar para além da morte o poder político ou econômico de um período pode ser captado hoje por pesquisadores por meio da chamada arte tumular.
Para que o poderio de uma geração não fosse destruído pelo tempo, o Condephat, órgão do patrimônio municipal de Franca, tombou 18 sepulturas de importância histórica erguidas no final do século 19 e início do século 20.
Outro jazigo, o da família Junqueira e Vilela, onde foi enterrado o menino Gabriel citado no início desta reportagem, está com o pedido de tombamento sendo analisado pela prefeitura.
As 19 sepulturas localizam-se no Cemitério da Saudade, que desde 2009 passa por um processo de análise dos túmulos que foram abandonados por familiares.
Segundo o secretário da Administração, Jerônimo Sérgio Pinto, foram selecionados 540 jazigos degradados que não foram reclamados pelos familiares para irem a leilão a partir deste ano.
No primeiro lote de 14 sepulturas que foram a leilão no mês passado, repetiu-se um fenômeno curioso: como ocorreu nos tempos do café, a atual elite francana demonstrou seu desejo de se perpetuar na história ao disputar os túmulos vagos.
Donos de indústrias de calçados, principal atividade econômica da cidade, da rede Magazine Luiza, maior empresa de varejo do município, e da Unifran, a maior universidade de Franca, estão entre os que arremataram os terrenos no cemitério.
O mais caro custou R$ 65 mil. Por uma obra do acaso, a aquisição criará uma curiosa ligação do poder do presente com o do passado: os Ludovice, membros da elite francana do século 21, construirão seu mausoléu ao lado do da família do capitão-mor Junqueira, do século 19.
Entre os jazigos tombados estão alguns que dão nomes a ruas e prédios, como os de Antônio Caetano Petráglia, de Orlik Luz e de Ygino Rodrigues, o poeta esquecido.
Segundo a presidente do Condephat, Graziela Corrêa Alves, além de túmulos da elite foram tombadas também sepulturas ligadas à devoção popular, como a da jovem negra que morreu depois de ter engravidado de um filho de fazendeiro local.

CRIANÇAS
Presente nos cemitérios da capital e também no interior do país, a arte tumular caracteriza-se por ornamentos religiosos e que remetam à morte nas sepulturas.
Além de anjos e da virgem Maria, é comum a imagem de crianças adormecidas, no caso de sepulturas infantis. Tochas cruzadas para baixo são símbolos da morte.
A quantidade de símbolos e a qualidade dos materiais empregados variam conforme a importância social e econômica do sobrenome.
"Como uma cidade rica do café, as famílias escolhiam mármore de Carrara, de marmorarias de Franca ou até mesmo de Ribeirão Preto", afirmou Maria Elízia Borges, especialista em arte funerária brasileira.
Ela estudou a arte tumular em Franca. A pesquisa serviu como uma das bases para escolher os jazigos tombados.
Docente da Unesp de Franca e membro do Condephat, o professor Pedro Geraldo Tosi diz que o tombamento evita que as famílias, no futuro, destruam obras que fazem parte da história da cidade.
"É levantar elementos significativos da memória para que não se percam no tempo algumas coisas que não se fazem mais como no século 19 ou começo do século 20."


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