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Um cafajeste no interior
Paulo Jobim Crespo, primeiro lobista do calçado de Franca,
era amigo de músicos famosos e integrou o "Clube dos Cafajestes" no Rio ,
antes
de se casar e largar a boemia
JULIANA COISSI
ENVIADA ESPECIAL A FRANCA
Antes de fazer fama como
representante da indústria
de couro e como primeiro
"lobista" do calçado de Franca, Paulo Jobim Crespo, hoje
com 89 anos, viveu intensamente na noite carioca, integrando o grupo que ficou conhecido como "cafajestes".
Mas essa história parte de
quando o empresário conheceu a nata da MPB, nos anos
50. Em uma das muitas noites cariocas de 1952, Crespo,
então funcionário da Continental Discos, jogava biriba
no Clube da Chave.
Tratava-se de uma boate
privê no antigo Cassino
Atlântico, em Copacabana,
acessível apenas para os sócios que possuíam a chave.
Ele jogava com Sávio Silveira, superintendente da
gravadora, quando Ary Barroso, o pai de "Aquarela do
Brasil", interrompeu a partida. Queria que eles conhecessem dois músicos que tocavam na sala ao lado.
O talento de um jovem pianista, acompanhado de um
violonista, chamou a atenção de Crespo e do amigo.
No dia seguinte, os dois
músicos que se chamavam
Tom Jobim e Billy Blanco conheceriam o diretor artístico
da gravadora, Braguinha,
autor de "Chiquita Bacana",
e começariam a desenhar o
que seria o famoso LP "Sinfonia do Rio de Janeiro".
O contrato foi a senha para
que os novos artistas tivessem acesso a outro clube restrito que funcionava na casa
de Crespo, em Copacabana.
A casa era refúgio, então, de
João Gilberto, Sivuca, Luiz
Bonfá, Lúcio Alves, Benê Nunes e muitos outros.
"Eles gostavam de se desafiar. Um começava a falar e
tocar e outro tinha que dar
sequência", conta Crespo.
Na babel de sons construída na sala de sua casa, Crespo conta que viu Tom "arranhar" o que se transformaria
na famosa bossa nova.
O CAFAJESTE
Mas como o "crème de la
crème" da música brasileira
foi parar na casa de um funcionário de gravadora, que
acumulava a distinta profissão de funcionário da Caixa
Econômica?
A fama de Crespo veio graças a sua fase cafajeste, antes
dos anos 50. Ele nasceu em
Porto Alegre em 1921. Quando tinha 14 anos, o pai foi
eleito deputado federal e a família se mudou para o Rio de
Janeiro, que era a capital da
República na época.
A praia e os bares de Copacabana foram o cenário ideal
para o jovem Crespo conhecer Mário Saladini. Foi no
apartamento desse jovem
italiano que surgiu o "Clube
dos Cafajestes", um grupo de
jovens funcionários de banco
e filhos de milionários.
Entre eles, lembra Crespo,
estavam o milionário Mariozinho de Oliveira, o piloto
Edu da Panair, o playboy Jorginho Guinle e até um príncipe, Dom João de Orleans e
Bragança.
Os cafajestes tinham como
único objetivo se divertir, em
festas suntuosas e bailes carnavalescos com a "fina flor
carioca" e com artistas como
Emilinha Borba e Marlene.
Crespo diz que a alcunha
de cafajeste veio de uma jornalista revoltada. Os amigos
envolveram-se em uma briga
de festa e ela escreveu: "É um
grupo de cafajestes".
Cafajestes e mulherengos.
"Eu pulava de galho em galho", conta Crespo, que diz
ter namorado a modelo Norma Tamar.
O CURTUMEIRO
Quando a boemia o estressou, a fase de mulherengo
deu lugar ao casamento.
"Um dos motivos que me
fez decidir sair do Rio é que
seria muito difícil viver casado lá com aquela turma toda
chamando para festas.
Quando você casa, tem de
mudar de vida, se não o casamento não vai pra frente."
No Sul, o menino Paulo
gostava de passar as férias na
fazenda. Surgiu então um
convite de um amigo para assumir em sociedade uma fazenda de gado em São José
da Bela Vista.
Crespo mudou-se para
Franca em 1964. Logo recebeu o convite de um vizinho
fabricante de calçado para
ser sócio em um curtume.
Da administração do curtume para o contato com os
calçadistas, foi um passo.
Procurado pelo então candidato a prefeito Sidnei Franco
da Rocha (que voltou à prefeitura na atualidade), fez
uma lista com as reivindicações dos calçadistas. No topo, sugeriu a criação de um
distrito industrial em Franca.
O LOBISTA
O distrito surgiu, sob sua
administração. Em quatro
anos, cem empresas já haviam se instalado na área.
Crespo então despontou
como "lobista" do calçado de
Franca, que era exportado
principalmente para os Estados Unidos.
Naqueles anos 70, o sapato do Rio Grande do Sul tinha
melhor trânsito em Brasília
do que o de Franca. O gaúcho
Crespo aproveitou o sangue
político do pai para fazer a
política da boa vizinhança e
trabalhar com a ideia de "lutar pelo sapato brasileiro".
Foi esse esforço, somado
ao de empresários, que garantiu ao sapato de Franca
subsídios e melhores taxas
de exportação.
A feira Francal, a mais importante atualmente do setor
de calçados, ainda era realizada em Franca -o evento
deste ano foi realizado na semana passada em São Paulo.
Nos últimos anos, Crespo
assistiu a altos e baixos do setor. Hoje, assiste a recuperação econômica.
O antigo cafajeste, que
ainda trabalha na Amcoa, associação dos curtumes, não
se arrepende de ter trocado a
boemia carioca pela calma
do interior de São Paulo.
"Guardo lembranças interessantes do Rio, daquela vida gostosa. Mas foi uma época que passou."
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