Ribeirão Preto, Domingo, 11 de Julho de 2010

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Um cafajeste no interior

Paulo Jobim Crespo, primeiro lobista do calçado de Franca, era amigo de músicos famosos e integrou o "Clube dos Cafajestes" no Rio , antes de se casar e largar a boemia

JULIANA COISSI
ENVIADA ESPECIAL A FRANCA

Antes de fazer fama como representante da indústria de couro e como primeiro "lobista" do calçado de Franca, Paulo Jobim Crespo, hoje com 89 anos, viveu intensamente na noite carioca, integrando o grupo que ficou conhecido como "cafajestes".
Mas essa história parte de quando o empresário conheceu a nata da MPB, nos anos 50. Em uma das muitas noites cariocas de 1952, Crespo, então funcionário da Continental Discos, jogava biriba no Clube da Chave.
Tratava-se de uma boate privê no antigo Cassino Atlântico, em Copacabana, acessível apenas para os sócios que possuíam a chave.
Ele jogava com Sávio Silveira, superintendente da gravadora, quando Ary Barroso, o pai de "Aquarela do Brasil", interrompeu a partida. Queria que eles conhecessem dois músicos que tocavam na sala ao lado.
O talento de um jovem pianista, acompanhado de um violonista, chamou a atenção de Crespo e do amigo.
No dia seguinte, os dois músicos que se chamavam Tom Jobim e Billy Blanco conheceriam o diretor artístico da gravadora, Braguinha, autor de "Chiquita Bacana", e começariam a desenhar o que seria o famoso LP "Sinfonia do Rio de Janeiro".
O contrato foi a senha para que os novos artistas tivessem acesso a outro clube restrito que funcionava na casa de Crespo, em Copacabana. A casa era refúgio, então, de João Gilberto, Sivuca, Luiz Bonfá, Lúcio Alves, Benê Nunes e muitos outros.
"Eles gostavam de se desafiar. Um começava a falar e tocar e outro tinha que dar sequência", conta Crespo.
Na babel de sons construída na sala de sua casa, Crespo conta que viu Tom "arranhar" o que se transformaria na famosa bossa nova.

O CAFAJESTE
Mas como o "crème de la crème" da música brasileira foi parar na casa de um funcionário de gravadora, que acumulava a distinta profissão de funcionário da Caixa Econômica?
A fama de Crespo veio graças a sua fase cafajeste, antes dos anos 50. Ele nasceu em Porto Alegre em 1921. Quando tinha 14 anos, o pai foi eleito deputado federal e a família se mudou para o Rio de Janeiro, que era a capital da República na época.
A praia e os bares de Copacabana foram o cenário ideal para o jovem Crespo conhecer Mário Saladini. Foi no apartamento desse jovem italiano que surgiu o "Clube dos Cafajestes", um grupo de jovens funcionários de banco e filhos de milionários.
Entre eles, lembra Crespo, estavam o milionário Mariozinho de Oliveira, o piloto Edu da Panair, o playboy Jorginho Guinle e até um príncipe, Dom João de Orleans e Bragança.
Os cafajestes tinham como único objetivo se divertir, em festas suntuosas e bailes carnavalescos com a "fina flor carioca" e com artistas como Emilinha Borba e Marlene.
Crespo diz que a alcunha de cafajeste veio de uma jornalista revoltada. Os amigos envolveram-se em uma briga de festa e ela escreveu: "É um grupo de cafajestes".
Cafajestes e mulherengos. "Eu pulava de galho em galho", conta Crespo, que diz ter namorado a modelo Norma Tamar.

O CURTUMEIRO
Quando a boemia o estressou, a fase de mulherengo deu lugar ao casamento.
"Um dos motivos que me fez decidir sair do Rio é que seria muito difícil viver casado lá com aquela turma toda chamando para festas. Quando você casa, tem de mudar de vida, se não o casamento não vai pra frente."
No Sul, o menino Paulo gostava de passar as férias na fazenda. Surgiu então um convite de um amigo para assumir em sociedade uma fazenda de gado em São José da Bela Vista.
Crespo mudou-se para Franca em 1964. Logo recebeu o convite de um vizinho fabricante de calçado para ser sócio em um curtume.
Da administração do curtume para o contato com os calçadistas, foi um passo. Procurado pelo então candidato a prefeito Sidnei Franco da Rocha (que voltou à prefeitura na atualidade), fez uma lista com as reivindicações dos calçadistas. No topo, sugeriu a criação de um distrito industrial em Franca.

O LOBISTA
O distrito surgiu, sob sua administração. Em quatro anos, cem empresas já haviam se instalado na área.
Crespo então despontou como "lobista" do calçado de Franca, que era exportado principalmente para os Estados Unidos.
Naqueles anos 70, o sapato do Rio Grande do Sul tinha melhor trânsito em Brasília do que o de Franca. O gaúcho Crespo aproveitou o sangue político do pai para fazer a política da boa vizinhança e trabalhar com a ideia de "lutar pelo sapato brasileiro".
Foi esse esforço, somado ao de empresários, que garantiu ao sapato de Franca subsídios e melhores taxas de exportação.
A feira Francal, a mais importante atualmente do setor de calçados, ainda era realizada em Franca -o evento deste ano foi realizado na semana passada em São Paulo.
Nos últimos anos, Crespo assistiu a altos e baixos do setor. Hoje, assiste a recuperação econômica.
O antigo cafajeste, que ainda trabalha na Amcoa, associação dos curtumes, não se arrepende de ter trocado a boemia carioca pela calma do interior de São Paulo.
"Guardo lembranças interessantes do Rio, daquela vida gostosa. Mas foi uma época que passou."


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