Ribeirão Preto, Domingo, 13 de Junho de 2010

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PERFIL ANDRÉ RISTUM

"Fiz meu primeiro filme aos três anos'

Depois de estudar administração em Milão, a virada decisiva aconteceu em 1995, quando foi trabalhar com o premiado diretor italiano Bernardo Bertolucci. "Os meses que trabalhei com ele foram um curso universitário de cinema. Conheci elementos que uso até hoje"

ARARIPE CASTILHO
DE RIBEIRÃO PRETO

Tudo começou como uma brincadeira na infância, mas hoje André Ristum, 38, é um cineasta capaz de reunir em seu primeiro longa-metragem, a ser lançado em 2011, um "elenco dos sonhos", com Rodrigo Santoro, Cauã Reymond, Débora Falabella, Anita Caprioli e Paulo José.
O filme "Meu País" contará a história de um homem que, há muito separado de suas raízes, retorna ao Brasil. "É uma história de pessoas comuns, de reencontro familiar. Algo que gosto muito, mas vejo pouco por aqui, embora seja muito usado no cinema europeu, do qual tenho razoável influência."
Família. Reencontro. Volta às origens. De alguma forma, tudo isso se parece um pouco com a trajetória de Ristum. A diferença é que ele não voltou ao Brasil, mas "chegou" aqui atrás de origens anteriores ao seu nascimento. Difícil de entender?
O próprio Ristum só foi compreender tudo depois de muitos anos. Ele contou à Folha os caminhos que o levaram ao cinema e a Ribeirão, onde dirigiu os primeiros filmes como profissional.
Os pais de Ristum saíram do Brasil no final da década de 1960, durante a ditadura. Escolheram a Europa depois de terem sido perseguidos, mas antes de ver o regime militar endurecer ainda mais nos anos 70.
Nascido na Inglaterra, Ristum viveu a maior parte da infância e da adolescência na Itália. E foi lá que ele fez seu primeiro filme.
"Não só o meu pai [o jornalista Jirges Ristum], mas também o segundo marido da minha mãe, o Ivan Negro Isola, trabalhavam com cinema. Quando eu era pequeno, cinema era algo muito corriqueiro em casa. Eram muito habituais também as minhas visitas aos sets de filmagens", conta.
"Fiz o primeiro filme quando tinha três anos. Visitei o Ivan no trabalho e comecei a falar que queria fazer um filme. Era uma brincadeira, algo divertido. Eu chamava o diretor de fotografia e falava para ir em casa ajudar. A gente tinha uma câmera Super-8."
Ristum diz que ditou uma espécie de roteiro ao padrasto. "Eram traços da minha vida, momentos com meus brinquedos, minha irmã. Quer dizer, o primeiro contato com o cinema aconteceu muito cedo." O detalhe é que o único momento de "encenação" no filme de 20 minutos do menino de três anos era o final: "Uma grande festa com os amigos", lembra.
Ainda na infância, até chegou a esboçar um segundo filme, mas o projeto não se concretizou. "Eu queria uns efeitos especiais. O personagem principal voava e engolia o sol, mas minha mãe que era tipo uma produtora cortou."

INFLUÊNCIA
Fora as experiências precoces com o cinema, a diferença na vida italiana de Ristum era a convivência com pessoas que, como seus pais, haviam se distanciado do Brasil por causa da ditadura.
Boa parte dos conhecidos da família que chegavam à Europa tinham histórias mais traumáticas que seus pais. "Mas por ser criança fui poupado de muitas."
Justamente por ter sido "poupado", ao chegar à adolescência ele tinha uma relação até afetiva com o Brasil, diferente dos que sofreram mais com os anos de chumbo. "Para mim, aqui era o país distante onde estavam os primos e os avós."
Com 16 anos, se mudou para a casa da avó, em Ribeirão, e começou a estudar a história e a aprender os "fatos dolorosos" que o fizeram nascer e crescer no exterior.
"Só depois fui perceber como um período difícil aqui do Brasil interferiu na vida da minha família e, forçosamente, na minha." O cineasta afirma ter uma relação "bem resolvida" com tudo isso. "É uma constatação. Os fatos me fizeram ter formação italiana, diferente da que eu teria se tivesse vivido sempre no Brasil."

FUTEBOL
O estrangeiro de nascimento se considera brasileiro há muito, antes mesmo de morar no país, e tem uma explicação curiosa: "Nacionalidade a gente define quando escolhe o país que a gente torce na Copa do Mundo."
"A sua nação é aquela pela qual você sofre", diz ele, que sempre torceu pela seleção canarinho. "Sofri muito na Copa de 82, quando aquele time inesquecível [de Falcão, Zico e companhia] perdeu. Tenho sentimentos pelo Brasil desde quando ainda era um menino italiano."
Quando viveu da primeira vez no Brasil, Ristum se distanciou do cinema pelo qual tinha se encantado aos três anos e, quando se aproximou o momento de decidir o que fazer da vida, decidiu por "um trabalho normal".
Foi estudar administração de empresas em Milão, de novo na Itália. E o país em forma de bota o aproximou novamente da sétima arte. Para se "enturmar" procurou amigos do padrasto, que o chamaram para ajudar em produções. "Fui picado outra vez pelo mosquito do cinema", conta. Contaminado, passou por um processo gradual de distanciamento da administração de empresas.
A virada decisiva aconteceu em 1995, quando foi trabalhar com o premiado diretor italiano Bernardo Bertolucci. "Os meses que trabalhei com ele foram um curso universitário de cinema. Conheci elementos que uso até hoje. Além da forma de trabalhar, aprendi a lidar com uma equipe e como levar em frente um trabalho."
Aliás, Ristum também tem a calma como uma de suas características no set. Perguntado se seria "herança" de Bertolucci, ele responde: "Tem muito a ver com ele, mas ser calmo ou não também é algo muito particular. Sinto-me bem nas filmagens, eu escolhi fazer isso".
Da universidade "bertolucciana", engatou um trabalho como assistente de direção em "Daylight", filmado em Roma, com Sylvester Stallone. Em seguida, voltou para o Brasil e fez "Pobres por um dia" em Ribeirão. Na cidade ele também foi um dos idealizadores do Núcleo de Cinema, hoje Estúdios Kaiser. Ontem, voltou à cidade para lançar na Feira do Livro "Um vento me leva", sobre a vida de seu pai.
O livro sobre o pai de Ristum foi organizado pelo padrasto do cineasta. "É um quebra-cabeça para quem quiser conhecer mais sobre a figura do Jirges, que é muito intensa. São textos de pessoas que o conheciam e que mostram que sua principal qualidade era fazer amigos", disse o cineasta.
Ristum também fez um curta em tom de homenagem ao pai e a Glauber Rocha. O filme se chama "De Glauber para Jirges".


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