|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
PERFIL ANDRÉ RISTUM
"Fiz meu primeiro filme
aos três anos'
Depois de estudar administração em Milão, a virada decisiva aconteceu em 1995, quando foi trabalhar com o premiado diretor italiano Bernardo Bertolucci. "Os meses que trabalhei com ele foram um curso universitário de cinema. Conheci elementos que uso até hoje"
ARARIPE CASTILHO
DE RIBEIRÃO PRETO
Tudo começou como uma
brincadeira na infância, mas
hoje André Ristum, 38, é um
cineasta capaz de reunir em
seu primeiro longa-metragem, a ser lançado em 2011,
um "elenco dos sonhos",
com Rodrigo Santoro, Cauã
Reymond, Débora Falabella,
Anita Caprioli e Paulo José.
O filme "Meu País" contará a história de um homem
que, há muito separado de
suas raízes, retorna ao Brasil.
"É uma história de pessoas
comuns, de reencontro familiar. Algo que gosto muito,
mas vejo pouco por aqui, embora seja muito usado no cinema europeu, do qual tenho razoável influência."
Família. Reencontro. Volta
às origens. De alguma forma,
tudo isso se parece um pouco
com a trajetória de Ristum. A
diferença é que ele não voltou ao Brasil, mas "chegou"
aqui atrás de origens anteriores ao seu nascimento. Difícil
de entender?
O próprio Ristum só foi
compreender tudo depois de
muitos anos. Ele contou à
Folha os caminhos que o levaram ao cinema e a Ribeirão, onde dirigiu os primeiros filmes como profissional.
Os pais de Ristum saíram
do Brasil no final da década
de 1960, durante a ditadura.
Escolheram a Europa depois
de terem sido perseguidos,
mas antes de ver o regime
militar endurecer ainda mais
nos anos 70.
Nascido na Inglaterra, Ristum viveu a maior parte da
infância e da adolescência
na Itália. E foi lá que ele fez
seu primeiro filme.
"Não só o meu pai [o jornalista Jirges Ristum], mas
também o segundo marido
da minha mãe, o Ivan Negro
Isola, trabalhavam com cinema. Quando eu era pequeno,
cinema era algo muito corriqueiro em casa. Eram muito
habituais também as minhas
visitas aos sets de filmagens", conta.
"Fiz o primeiro filme
quando tinha três anos. Visitei o Ivan no trabalho e comecei a falar que queria fazer um filme. Era uma brincadeira, algo divertido. Eu
chamava o diretor de fotografia e falava para ir em casa ajudar. A gente tinha uma
câmera Super-8."
Ristum diz que ditou uma
espécie de roteiro ao padrasto. "Eram traços da minha vida, momentos com meus
brinquedos, minha irmã.
Quer dizer, o primeiro contato com o cinema aconteceu
muito cedo." O detalhe é que
o único momento de "encenação" no filme de 20 minutos do menino de três anos
era o final: "Uma grande festa com os amigos", lembra.
Ainda na infância, até
chegou a esboçar um segundo filme, mas o projeto não
se concretizou. "Eu queria
uns efeitos especiais. O personagem principal voava e
engolia o sol, mas minha
mãe que era tipo uma produtora cortou."
INFLUÊNCIA
Fora as experiências precoces com o cinema, a diferença na vida italiana de Ristum era a convivência com
pessoas que, como seus pais,
haviam se distanciado do
Brasil por causa da ditadura.
Boa parte dos conhecidos
da família que chegavam à
Europa tinham histórias
mais traumáticas que seus
pais. "Mas por ser criança fui
poupado de muitas."
Justamente por ter sido
"poupado", ao chegar à adolescência ele tinha uma relação até afetiva com o Brasil,
diferente dos que sofreram
mais com os anos de chumbo. "Para mim, aqui era o
país distante onde estavam
os primos e os avós."
Com 16 anos, se mudou
para a casa da avó, em Ribeirão, e começou a estudar a
história e a aprender os "fatos dolorosos" que o fizeram
nascer e crescer no exterior.
"Só depois fui perceber como um período difícil aqui do
Brasil interferiu na vida da
minha família e, forçosamente, na minha." O cineasta afirma ter uma relação
"bem resolvida" com tudo isso. "É uma constatação. Os
fatos me fizeram ter formação italiana, diferente da que
eu teria se tivesse vivido sempre no Brasil."
FUTEBOL
O estrangeiro de nascimento se considera brasileiro há muito, antes mesmo de
morar no país, e tem uma explicação curiosa: "Nacionalidade a gente define quando
escolhe o país que a gente
torce na Copa do Mundo."
"A sua nação é aquela pela
qual você sofre", diz ele, que
sempre torceu pela seleção
canarinho. "Sofri muito na
Copa de 82, quando aquele time inesquecível [de Falcão,
Zico e companhia] perdeu.
Tenho sentimentos pelo Brasil desde quando ainda era
um menino italiano."
Quando viveu da primeira
vez no Brasil, Ristum se distanciou do cinema pelo qual
tinha se encantado aos três
anos e, quando se aproximou o momento de decidir o
que fazer da vida, decidiu por
"um trabalho normal".
Foi estudar administração
de empresas em Milão, de
novo na Itália. E o país em
forma de bota o aproximou
novamente da sétima arte.
Para se "enturmar" procurou
amigos do padrasto, que o
chamaram para ajudar em
produções. "Fui picado outra
vez pelo mosquito do cinema", conta. Contaminado,
passou por um processo gradual de distanciamento da
administração de empresas.
A virada decisiva aconteceu em 1995, quando foi trabalhar com o premiado diretor italiano Bernardo Bertolucci. "Os meses que trabalhei com ele foram um curso
universitário de cinema. Conheci elementos que uso até
hoje. Além da forma de trabalhar, aprendi a lidar com
uma equipe e como levar em
frente um trabalho."
Aliás, Ristum também tem
a calma como uma de suas
características no set. Perguntado se seria "herança"
de Bertolucci, ele responde:
"Tem muito a ver com ele,
mas ser calmo ou não também é algo muito particular.
Sinto-me bem nas filmagens,
eu escolhi fazer isso".
Da universidade "bertolucciana", engatou um trabalho como assistente de direção em "Daylight", filmado
em Roma, com Sylvester Stallone. Em seguida, voltou para o Brasil e fez "Pobres por
um dia" em Ribeirão. Na cidade ele também foi um dos
idealizadores do Núcleo de
Cinema, hoje Estúdios Kaiser. Ontem, voltou à cidade
para lançar na Feira do Livro
"Um vento me leva", sobre a
vida de seu pai.
O livro sobre o pai de Ristum foi organizado pelo padrasto do cineasta. "É um
quebra-cabeça para quem
quiser conhecer mais sobre a
figura do Jirges, que é muito
intensa. São textos de pessoas que o conheciam e que
mostram que sua principal
qualidade era fazer amigos",
disse o cineasta.
Ristum também fez um
curta em tom de homenagem
ao pai e a Glauber Rocha. O
filme se chama "De Glauber
para Jirges".
Texto Anterior: Empresário espera aumento de movimento Próximo Texto: Feira tem show de Tom Zé e Maria Gadú Índice
|