Ribeirão Preto, Terça-feira, 19 de Junho de 2001 |
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ESPECIAL Fama de "Califórnia brasileira" propagada na década de 80 acaba trazendo problemas sociais a Ribeirão devido aos elevados índices de imigração Ribeirão vai ao encontro de suas origens em um ciclo de 145 anos
A comemoração do aniversário de Ribeirão Preto, hoje, fecha um ciclo histórico de 145 anos. A cidade entra no novo milênio enfrentando praticamente os mesmos problemas estruturais já existentes na sua fundação, em 1856. A concentração de renda, a monocultura, as diferenças sociais e a manutenção do poder nas mãos de pequenos grupos fazem com que a cidade passe por um processo de crise de identidade por meio de seus mitos, que estão sendo revividos com uma nova roupagem social. Dos conflitos de terras que originaram a formação do patrimônio de São Sebastião -necessário para a legalização das posses- até a discussão sobre a denominação do nome do município, que chegou a ser alterado para Entre Rios, os fatos apontam para uma pequena amostra
do potencial da cidade, que atraiu "aventureiros" e "pioneiros" em busca de solo fértil. A terra vermelha foi propícia para o cultivo do café Bourbon e a responsável pelo primeiro ciclo e, consequentemente, pelo início da então chamada "Califórnia do café". A fama de Ribeirão Preto gerou o acúmulo de riquezas e despertou o interesse do Império, que, para reduzir o tempo de viagem até o município, apoiou a implantação da Companhia Mogiana, responsável pelo progresso que chegou à região por meio de seus trilhos. E com eles, mais uma onda de imigrantes, que sonhavam com uma "terra prometida" no "eldorado do café". A importância política da Mogiana foi tão expressiva que o próprio imperador dom Pedro 2º esteve em Ribeirão Preto para participar da inauguração do ramal até Poços de Caldas (MG). A sintonia da cidade com o Império era tão grande que o Legislativo municipal antecipou os efeitos da Lei Áurea, com a aprovação de uma lei que impedia o comércio e a utilização da mão-de-obra escrava. A legislação entrou em vigor um ano antes de a princesa Isabel decretar a libertação dos escravos. Naquele período, Ribeirão contava com 1.379 escravos, sendo 784 homens e 595 mulheres. O status de região rica também auxiliou na implantação do Ginásio do Estado, que foi o segundo do interior do Estado de São Paulo. Antes, somente Campinas e Santos contavam com esse tipo de colégio. A escola, que contava somente com homens nos primeiros anos, tornou-se tradicional com o passar do tempo e acabou formando várias personalidades públicas, entre políticos, jornalistas, advogados e médicos. No entanto o poder dos barões do café não se resumiu somente aos interesses políticos e econômicos da cidade. A área cultural também mereceu atenção dos fazendeiros de café, que ostentaram sua riqueza com a construção do Teatro Carlos Gomes. O prédio, que representou o símbolo dos barões do café, foi construído com produtos importados. O teatro acabou sendo demolido em 1945, depois da decadência de seus fundadores, que foram perdendo a força política após a crise da Bolsa de Nova York, em 1929. Como Ribeirão vive de mitos, após o ciclo do café, teve início o ciclo da cerveja, que acabou transformando a "Califórnia do café" na "capital do chope". A instalação da fábrica da cervejaria Antarctica, em 1911, foi fundamental para que Ribeirão Preto ficasse conhecida como a "capital do chope". No entanto a tradição de produção de cerveja no município teve início em 1892, com a fundação da fábrica Livi & Bertoldi, que foi erguida no bairro Barracão (atualmente os bairros do Ipiranga e dos Campos Elíseos). Como não poderia deixar de acontecer, o ciclo da cerveja coincidiu com o surgimento das equipes de futebol. O primeiro clube da cidade -o Comercial Futebol Clube- foi fundado em 1911, mesmo ano em que a cervejaria Antarctica chegou a Ribeirão. Já o Botafogo foi criado em 1918, por funcionários da Companhia Mogiana e da cervejaria Antarctica, no bairro da Vila Tibério. Impulsionada pela implantação do Ginásio do Estado, responsável pelo ensino clássico (equivalente ao atual ensino médio), Ribeirão Preto também contou com a fundação da FOF (Faculdade de Odontologia e Farmácia), a primeira instituição de ensino superior, que foi aberta em 1924. Entre as curiosidades que permeiam a história da cidade está a origem do Theatro Pedro II, principal símbolo de Ribeirão Preto, que poderia ter sido chamado de François Cassoulet. A casa de espetáculos, inaugurada em 8 de outubro de 1930, contou com uma votação popular para definir a escolha do nome. Os nomes propostos foram o do imperador do Brasil -dom Pedro 2º- e o do proprietário do cassino Antarctica (Cassoulet), que funcionava como um bordel de luxo na cidade. A Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), criada em 1952, foi o primeiro curso gratuito do interior do Estado de São Paulo. De acordo com o médico e professor da universidade Fábio Leite Vicchi, somente a cidade de São Paulo contava com um
curso de medicina gratuito naquela década. Anos antes, o processo de municipalização do serviço de telefonia acabou originando a Ceterp, em 1938. De acordo com documentos históricos, o primeiro telefone da cidade foi instalado em 1899, na Prefeitura de Ribeirão Preto. A cidade foi a nona do Estado de São Paulo a receber uma concessão para a área de telefonia. Os anos 80 trouxeram a fama de "Califórnia brasileira", que significou mais problemas do que soluções para Ribeirão Preto.
Na época em que a fama foi difundida, o Brasil estava no auge do programa Proálcool, e as 45 usinas da região produziam mais de um terço do produto consumido em todo o Brasil. Em 19 de junho de 2001, a cidade festeja 145 anos convivendo ainda com a má distribuição de renda e de terras. (MARINA ROSSINI, FREE-LANCE PARA A FOLHA RIBEIRÃO)
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