Ribeirão Preto, Sábado, 21 de Fevereiro de 2009

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USP recebe 27% de "bixos" da rede pública

Percentual é o maior desde 2003 e avançou após a criação do Inclusp, programa que dá bônus a aluno de escola pública

Para professor, número é "interessante", só que os cursos mais disputados ainda são dominados por alunos das particulares

Márcia Ribeiro/Folha Imagem
Júlia Martins, caloura de química, no campus de Ribeirão; egressa da escola particular, ela se encaixa no perfil do "bixo-padrão" da USP

GEORGE ARAVANIS
DA FOLHA RIBEIRÃO

Praticamente três de cada dez calouros que entraram na USP de Ribeirão neste ano cursaram o ensino médio -ou parte dele- em escolas públicas. É o maior percentual de alunos egressos de escolas não-pagas nos últimos seis anos (em 2003, o índice foi de 24%).
Os dados são do estudo Perfil do Calouro 2009, feito pela universidade com os 1.360 novos estudantes.
No total, 23% dos alunos estudaram os três anos do antigo colegial em escolas do Estado -se forem considerados aqueles que frequentaram escola pública e também particular, o percentual chega a 27%.
Em 2006, a universidade criou o Inclusp (Programa de Inclusão Social da USP) para incentivar o ingresso e a permanência dos alunos de escolas públicas na universidade. O programa, entre outras ações, dá bônus a estudantes das escolas públicas no vestibular e bolsas para mantê-los.
Para o professor do curso de pedagogia da USP José Marcelino de Rezende Pinto, que é presidente do Conselho Municipal de Educação, o avanço da participação de alunos vindos da escola pública é "interessante", mas o número ainda está aquém do ideal.
"É bom porque vemos uma democratização no acesso à universidade, mas temos dois recortes econômicos. Nos cursos em que a procura é maior, ainda há uma elitização muito grande", disse.
A análise do professor encontra eco nas matrículas dos cursos de ciência da informação e documentação (semelhante à biblioteconomia), em que 79% dos calouros são egressos de escolas do Estado - é o curso que mais tem calouros da rede pública. Cada vaga, de acordo com o coordenador do curso, Edvaldo Ferneda, é disputada por sete candidatos, número baixo para os padrões uspianos.
Para Rezende Pinto, a concentração de alunos da escola pública nos cursos menos procurados mostra "pragmatismo" dos alunos, o que ele considera positivo.
O coordenador do curso de ciência da informação diz que a origem dos alunos não os atrapalha durante a trajetória acadêmica. "Há alunos brilhantes. E há aqueles que não são tão brilhantes, mas que têm suas qualidades", afirmou.
O curso de licenciatura em enfermagem está em segundo lugar no ranking dos que mais concentram calouros da escola pública (67% estudaram no Estado). Em seguida, aparece química (noturno), com 55%.
Foi no curso de química que Marcela Anunciação de Souza, 20, conseguiu entrar. Moradora do Parque Santo Amaro, periferia de São Paulo, Marcela fez os três anos do ensino médio na escola pública. "Foram três anos tentando entrar na USP", diz a mãe, a doméstica Ana Rita da Anunciação, 44.
Segundo Ana Rita, Marcela fez quase dois anos de cursinho. Não completou porque o salário como operadora de telemarketing não dava para custear o pagamento, mesmo com a ajuda da mãe. "Foi muita luta pra ela conseguir entrar aí", disse a mãe, por telefone, à Folha, ontem.
Medicina, um dos cursos mais procurados, apresenta um dos menores percentuais de "bixos" da escola pública (21%). No curso de direito, a porcentagem é ainda menor: 9%."São números interessantes", diz o professor Rezende Pinto.
Ao responder sobre a cor da pele, só 1% se declarou negro. No ano passado, a porcentagem era menor ainda: 0,5%. Outros 8% se declararam pardos e 5%, amarelos. Para Rezende Pinto, é um indício da necessidade de se implantar cotas raciais.


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