Ribeirão Preto, Domingo, 25 de Julho de 2010

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PERFIL FERRUGEM

Ele cresceu

Astro mirim sardento da propaganda da Ortopé nos anos 70 fez tratamento nos Estados Unidos e conseguiu crescer quase 40 cm

PAULO GODOY
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE RIBEIRÃO PRETO

Ele está mais alto e mais velho. Mas mesmo aos 43 anos é impossível olhar para esse, digamos, jovem senhor, e dissociar sua imagem das propagandas, programas infantis e humorísticos dos quais participou.
Ferrugem está com a mesma cara. Não mudou nada. Quer dizer, mudou um pouco. Para os mais saudosistas ainda é o garotinho que estrelou uma das campanhas publicitárias mais lembradas da propaganda brasileira.
Atire a primeira pedra quem, com mais de 35 ou 40 anos, nunca ouviu ou se pegou cantarolando a musiquinha da Ortopé, fábrica de calçados infantis que, nos anos 70, entrou para o imaginário popular com o menino sardento, cabelos cor de cobre e o bordão "Ortopé, Ortopé, tão bonitinho".
Pois ele cresceu. Literalmente. Espichou quase 40 centímetros depois de um tratamento em Washington (EUA), há mais de 15 anos.
Nas ruas de Barretos, onde nasceu, Ferrugem é, no máximo, Luizinho, nunca Luiz Alves Pereira Neto, seu nome de batismo.
Tranquilo, o caçula de nove irmãos, família de músicos, neto de maestro, resolveu dar um tempo na carreira e voltar para a sua cidade que, para desgosto pessoal, respira música sertaneja e vive de caubóis urbanos com calças apertadas, fivelas imensas e chapelões.
Se fosse por Ferrugem, Barretos teria mais percussão, mais blues, rock dos anos 70, mais arte brasileira e menos country americano.

NA TV
Ferrugem surgiu para o público depois de ser selecionado para o programa Gente Inocente, da extinta TV Tupi. Lúcio Mauro, então apresentador, gostou do menino e o chamou para fazer teste em São Paulo. Também lhe deu o apelido.
"Ele dizia que eu tinha tomado banho e tinha esquecido de me enxugar."
Com a propaganda da Ortopé, o Luizinho de Barretos adquiriu ares de popstar. A exposição na mídia o levou para todos os cantos do Brasil. Por estratégia de marketing, a loja que mais vendesse sapatos da marca ganhava uma tarde de autógrafos do astro mirim.
"Era uma loucura, porque eu chegava em Salvador ou Porto Alegre e havia mais de 5.000 pessoas me esperando. Dava autógrafo na mão."
Mais propagandas, mais televisão e teatro. Ferrugem foi trabalhar com Renato Aragão em "Os Trapalhões".
Depois, já como contratado da TV Globo, vieram o "Balança, Mas Não Cai", com Jô Soares, Paulo Silvino, Costinha e Agildo Ribeiro e "O Sítio do Picapau Amarelo". Aos 12 anos, participou de uma montagem do diretor Antunes Filho sobre textos de Nelson Rodrigues.
Mas foi a decisão de se mudar para os Estados Unidos, aos 21 anos, que deu a guinada total na carreira e na vida de Ferrugem. Com a faculdade de jornalismo concluída e formado em música -é baterista- deu vontade de sair do Brasil, estudar fora.
"Parei com os trabalhos que tinha na época. Queria experimentar como era viver lá fora, me virar sozinho. As coisas aqui estavam se repetindo". Entre Washington e Los Angeles foram quase nove anos. Estudou inglês e fez teatro. Trabalhou como garçon e pintor.

TRATAMENTO
Na capital americana, o pai de um amigo brasileiro, oficial da aeronáutica, disse que conhecia alguém que realizava estudos científicos com hipófise em um hospital da cidade, o National Institute of Health.
A glândula foi a responsável por Ferrugem chegar à puberdade com 1,21 metro. "Eu nasci em fazenda, com parteira. Quando chegou a hora, ela me tirou como pôde. A hipófise foi pressionada e fiquei com deficit de crescimento", explicou.
O tratamento sairia uma fortuna. Durante cinco anos teria que tomar doses diárias que custavam entre US$ 5.000 e US$ 6.000. No fim, saiu de graça. Ferrugem passou de 1,60 metro.
"A altura nunca foi problema para mim. Sempre fui namorador. Por mim, não faria o tratamento, mas como ganhei...", disse.
Em 1997, com todos os centímetros a mais, voltou para o Brasil. Depois de um tempo em Barretos, onde deu aula de teatro e música para crianças, decidiu aceitar o convite de João Gordo para, em dupla, apresentar "Os Piores Clipes do Mundo", carro-chefe da MTV.
"Conversamos e ele disse que queria um parceiro para apresentar os piores clipes, porque, sozinho, não daria conta. Foi muito legal, porque era ao vivo. Colocamos muita gente em maus lençóis", brinca.
Depois da MTV, passou a tocar em bares de São Paulo. Em 2001, decidiu voltar para Barretos, dessa vez para ficar. A mãe, que estava doente, e a morte de um irmão apressaram a decisão.
"As pessoas não entendem que estou aqui por opção. Tenho ofertas, mas não quero fazer coisas que já fiz, reprisar programas. Isso não vai me acrescentar nada. Não vai me dar grana."
Ferrugem está deixando o cabelo crescer. Voltou a se parecer com o garoto da Ortopé, apesar do hiato de mais de três décadas. No fim do ano, retorna à propaganda em um comercial de veneno para ferrugem na soja. Em 2011, estará nos cinemas em "O Palhaço", de Selton Mello, em que interpreta um funcionário público.
"Quero muito continuar aqui e dar um pouco do que eu tive para essas crianças (seus quase 200 alunos nas oficinas de teatro e percussão). Sou meio caipira. Gosto de ir para a beira do rio."
Enquanto isso, vai escrevendo uma peça infantil e preparando o roteiro de um programa infantil para a Rede Vida. No jornal "O Dia", que dirige com um irmão, mantém a coluna semanal Desenferrujando a Cultura, com dicas culturais.
Ao ser perguntado sobre como acha que as pessoas o veem, respondeu: "Vale a imagem que ficou, que elas guardaram na memória. Mas não sou sempre a pessoa que os outros acham que sou".


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