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PERFIL FERRUGEM
Ele cresceu
Astro mirim sardento da propaganda da Ortopé nos anos 70 fez
tratamento nos Estados Unidos e conseguiu crescer quase 40 cm
PAULO GODOY
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE RIBEIRÃO PRETO
Ele está mais alto e mais
velho. Mas mesmo aos 43
anos é impossível olhar para
esse, digamos, jovem senhor, e dissociar sua imagem
das propagandas, programas infantis e humorísticos
dos quais participou.
Ferrugem está com a mesma cara. Não mudou nada.
Quer dizer, mudou um pouco. Para os mais saudosistas
ainda é o garotinho que estrelou uma das campanhas
publicitárias mais lembradas
da propaganda brasileira.
Atire a primeira pedra
quem, com mais de 35 ou 40
anos, nunca ouviu ou se pegou cantarolando a musiquinha da Ortopé, fábrica de calçados infantis que, nos anos 70, entrou para o imaginário
popular com o menino sardento, cabelos cor de cobre e
o bordão "Ortopé, Ortopé,
tão bonitinho".
Pois ele cresceu. Literalmente. Espichou quase 40
centímetros depois de um
tratamento em Washington
(EUA), há mais de 15 anos.
Nas ruas de Barretos, onde
nasceu, Ferrugem é, no máximo, Luizinho, nunca Luiz
Alves Pereira Neto, seu nome
de batismo.
Tranquilo, o caçula de nove irmãos, família de músicos, neto de maestro, resolveu dar um tempo na carreira
e voltar para a sua cidade
que, para desgosto pessoal,
respira música sertaneja e vive de caubóis urbanos com
calças apertadas, fivelas
imensas e chapelões.
Se fosse por Ferrugem,
Barretos teria mais percussão, mais blues, rock dos
anos 70, mais arte brasileira e
menos country americano.
NA TV
Ferrugem surgiu para o
público depois de ser selecionado para o programa Gente
Inocente, da extinta TV Tupi.
Lúcio Mauro, então apresentador, gostou do menino e o
chamou para fazer teste em
São Paulo. Também lhe deu o
apelido.
"Ele dizia que eu tinha tomado banho e tinha esquecido de me enxugar."
Com a propaganda da Ortopé, o Luizinho de Barretos
adquiriu ares de popstar. A
exposição na mídia o levou
para todos os cantos do Brasil. Por estratégia de marketing, a loja que mais vendesse sapatos da marca ganhava
uma tarde de autógrafos do
astro mirim.
"Era uma loucura, porque
eu chegava em Salvador ou
Porto Alegre e havia mais de
5.000 pessoas me esperando. Dava autógrafo na mão."
Mais propagandas, mais
televisão e teatro. Ferrugem
foi trabalhar com Renato
Aragão em "Os Trapalhões".
Depois, já como contratado da TV Globo, vieram o
"Balança, Mas Não Cai", com
Jô Soares, Paulo Silvino, Costinha e Agildo Ribeiro e "O Sítio do Picapau Amarelo". Aos
12 anos, participou de uma
montagem do diretor Antunes Filho sobre textos de Nelson Rodrigues.
Mas foi a decisão de se mudar para os Estados Unidos,
aos 21 anos, que deu a guinada total na carreira e na vida
de Ferrugem. Com a faculdade de jornalismo concluída e
formado em música -é baterista- deu vontade de sair do
Brasil, estudar fora.
"Parei com os trabalhos
que tinha na época. Queria
experimentar como era viver
lá fora, me virar sozinho. As
coisas aqui estavam se repetindo". Entre Washington e
Los Angeles foram quase nove anos. Estudou inglês e fez
teatro. Trabalhou como garçon e pintor.
TRATAMENTO
Na capital americana, o
pai de um amigo brasileiro,
oficial da aeronáutica, disse
que conhecia alguém que
realizava estudos científicos
com hipófise em um hospital
da cidade, o National Institute of Health.
A glândula foi a responsável por Ferrugem chegar à
puberdade com 1,21 metro.
"Eu nasci em fazenda, com
parteira. Quando chegou a
hora, ela me tirou como pôde. A hipófise foi pressionada e fiquei com deficit de
crescimento", explicou.
O tratamento sairia uma
fortuna. Durante cinco anos
teria que tomar doses diárias
que custavam entre US$
5.000 e US$ 6.000. No fim,
saiu de graça. Ferrugem passou de 1,60 metro.
"A altura nunca foi problema para mim. Sempre fui namorador. Por mim, não faria
o tratamento, mas como ganhei...", disse.
Em 1997, com todos os
centímetros a mais, voltou
para o Brasil. Depois de um
tempo em Barretos, onde deu
aula de teatro e música para
crianças, decidiu aceitar o
convite de João Gordo para,
em dupla, apresentar "Os
Piores Clipes do Mundo",
carro-chefe da MTV.
"Conversamos e ele disse
que queria um parceiro para
apresentar os piores clipes,
porque, sozinho, não daria
conta. Foi muito legal, porque era ao vivo. Colocamos
muita gente em maus lençóis", brinca.
Depois da MTV, passou a
tocar em bares de São Paulo.
Em 2001, decidiu voltar para
Barretos, dessa vez para ficar. A mãe, que estava doente, e a morte de um irmão
apressaram a decisão.
"As pessoas não entendem que estou aqui por opção. Tenho ofertas, mas não
quero fazer coisas que já fiz,
reprisar programas. Isso não
vai me acrescentar nada. Não
vai me dar grana."
Ferrugem está deixando o
cabelo crescer. Voltou a se
parecer com o garoto da Ortopé, apesar do hiato de mais
de três décadas. No fim do
ano, retorna à propaganda
em um comercial de veneno
para ferrugem na soja. Em
2011, estará nos cinemas em
"O Palhaço", de Selton Mello, em que interpreta um
funcionário público.
"Quero muito continuar
aqui e dar um pouco do que
eu tive para essas crianças
(seus quase 200 alunos nas
oficinas de teatro e percussão). Sou meio caipira. Gosto
de ir para a beira do rio."
Enquanto isso, vai escrevendo uma peça infantil e
preparando o roteiro de um
programa infantil para a Rede Vida. No jornal "O Dia",
que dirige com um irmão,
mantém a coluna semanal
Desenferrujando a Cultura,
com dicas culturais.
Ao ser perguntado sobre
como acha que as pessoas o
veem, respondeu: "Vale a
imagem que ficou, que elas
guardaram na memória. Mas
não sou sempre a pessoa que
os outros acham que sou".
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