Ribeirão Preto, Quarta-feira, 30 de Março de 2011

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MINHA HISTÓRIA KARINA APARECIDA CHICÓRIA, 27

Meia vida no hospital

"Tentei uma vez tirar o respirador mexendo o pescoço, mas não consegui. No outro dia, ele saiu sem querer. Fiquei apavorada. Vi que queria viver "

RESUMO Karina Aparecida Chicória, 27, ficou tetraplégica aos 14, após levar uma facada na nuca. Chegou a tentar o suicídio. Aprendeu a usar a boca para pintar e navegar na web. Após 13 anos no Hospital das Clínicas de Ribeirão, onde era considerada a moradora mais antiga, ela volta hoje para casa, com os cuidados da mãe, após ganhar um aparelho respirador do Estado.

Depoimento a (...)
JULIANA COISSI
DE RIBEIRÃO PRETO

Faltavam quatro meses para meu aniversário de 15 anos. Me lembro bem da data de quando tudo aconteceu, 13 anos atrás. Estava na casa de uma amiga, que cuidava de uma bocada de drogas.
Outra colega, a Cirley, que queria visitar o namorado na cadeia, me pediu para ficar no lugar dela. Em troca, me daria R$ 80.
Eu aceitei. Eu tinha 14 anos, era uma época que eu estava meio revoltada, com más companhias. Nunca havia experimentado droga, só maconha, nem vendido.
Ela me deu 28 papelotes de cocaína. Vendi um deles, mas depois percebi que havia perdido um.
Tive então uma ideia. Sabia que as meninas abriam os papelotes, pegavam um pouco de cada e refaziam um outro para vender e ganhar dinheiro. Pensei em fazer isso para repor a perda.
Estava terminando [o serviço] quando chegou o dono da droga. Ele ficou furioso com a Cirley e ela, brava comigo porque perdeu o emprego. Eu estava encostada no portão quando senti um negócio passar no meu pescoço. Era ela [a Cirley], que veio por trás e me deu uma facada na nuca. Antes de cair, eu a vi com a faca.

A NOTÍCIA
Minha cirurgia durou oito horas. Depois, foram 18 dias em coma e seis meses no CTI.
Três meses depois veio a notícia. A médica veio e disse que eu ia ficar tetraplégica. Perguntei: "O que é isso?"
Ela disse que eu perdi os movimentos do pescoço para baixo e que ficaria dependente de um respirador. Eu perguntei até quando. Ela respondeu: "Até quando Deus quiser".
Só chorava. Era conversar comigo que eu chorava. Foi assim uns quatro meses.
Até que o médico me deu uma bronca. "Já te expliquei várias vezes o que você tem e não é para você ficar chorando." E não chorei mais, só quando ficava muito triste.

VIDA NO HOSPITAL
Fiz muitos amigos aqui. É uma segunda família. E muita gente já se aposentou.
Voltei a estudar -parei na 3ª série. Agora, já conclui o ensino fundamental. Também aprendi a pintar com a boca. Fiz oito quadros.
A internet me ajuda também. Tenho Orkut, MSN.
Converso com os pacientes novos, com os acompanhantes. Até o cantor Belo, meu ídolo, já veio me visitar.

SUICÍDIO
Há dois anos, entrei numa depressão feia. No ano passado, tentei me matar. Mexi o pescoço para tirar o respirador. Só que não consegui.
Acho que Deus falou: "Vou dar um susto nela, para ela acordar pra vida." Porque no outro dia, estava dormindo e o respirador saiu sozinho, sem eu querer.
Quando as enfermeiras chegaram, estava perdendo a consciência. Pedi perdão a Deus, vi que não queria morrer, eu queria viver.

SONHO
Hoje [ontem] me despedi dos meus amigos do hospital. Quero terminar o ensino médio. Estou pensando fazer em jornalismo, porque no hospital criei um jornal mural. Meu desejo era ir para casa. E esse é o primeiro sonho que estou realizando.


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